eu quero falar o que sinto.........


Os atuais senhores da Terra optaram pela aceleração do "desenvolvimentismo". O Modelo consumista é insustentável perante a vida no planeta. Extermina-se diariamente (de forma brutal) a natureza mãe e milhares e milhões de vidas sencientes, causa direta dos atuais desequilíbrios sócio ambientais... Este é o trilho inexorável, involuto, escolhido pelo financismo rentista global, gerando as atuais crises sócio políticas, e a calamidade ambiental, a desvitalização crescente da humanidade.

...Vivemos um processo célere de decadência ética e fisiológica, como seres já natimortos, anestesiados pelas contra informações de uma cultura venal, deseducadora e corrupta. Aceitamos passivamente a disseminação do "veneno nosso de cada dia", no agro negocio transgênico, e na carcinogênica PECUÁRIA INDUSTRIAL. Vivemos o pesadelo da configuração ideológica da "logica do LUCRO" para poucos como um fim em si, sendo participes involuntários do suicídio coletivo da espécie. Acompanhamos inertes todos elementos básicos de sustentação vital desaparecendo de forma célere, na poluição do ar, na escassez das águas doces, e no lixo atirado aos mares, mas especialmente na alimentação pós industrializada e "carnista", hiper quimifica e desvitalizante...

Gerou-se em apenas dois séculos da história humana na terra, uma engrenagem essencialmente antivida, que inverteu todos os valores e códigos éticos minimamente necessários para a sobrevivência sustentável...Agride-se a natureza materna e a todos seus seres sencientes; explorando-os de forma abominável, transformando-os em meros produtos alimentícios, mercantis, instituindo a vergonhosa violência do "especismo", cultuado na idiotia comportamental de todas nações globalizadas, a barbárie do holocausto animal.

Eia aí a insana corrida secular do capital rumo ao "ouro de tolo" como sustentação do sistema falido das mercadorias, das guerras, do luxo, do desperdício e do lixo...

MI LIDA OU MINHA IDA...

SENHOR... o meu coração não se elevou, nem os meus olhos se levantaram... não me exercito em grandes assuntos, nem em coisas muito elevadas para mim...”.
Salmo 131.                                                                                                                               
                          
Nasci no interior de Minas Gerais, numa pequenina cidade de nome tupy, ITUiUTABA, uma homenagem justíssima e tardia, aos índios Caiapós, seus primitivos habitantes...
Que céu...ar!...rio!...
Só a intuição indígena para tão bem escolher tal habitat!
Só quando me lembro desta doce terra, de onde sai tão cedo, e de tudo que lá deixei, e que entendo os nossos românticos, quando exilados, de como as suas criações poéticas eram simples rota natural das saudades daquilo que não pode mais voltar...
Um lamento ante a sequência inexorável do relógio tempo...
Ituiutaba, com sua predominância absoluta de sol ao ano...Sua intensíssima luz, a musicalidade do povo simples, com seus hábitos sertanejos e veredas regionais, as folclóricas danças de Catira, e do Reisado, com sons típicos, solados por violeiros calejados e habilidosos, tocados sempre nas rádios, nas festas populares, e feiras regionais...Do Fandango batido, às Guaranias nostálgicas, ouvidas diariamente quando se passava por suas ruas de paralelepipido ou de chão batido, por pessoas sentados nas sombras, sob o frescor dos alpendres cimentados de “vermelhão”,  com olhos giratórios nas calçadas, pertencentes a corpos vividos, a observarem “mineiramente” com a natural curiosidade cabocla, ao tudo que se passa...em que nada escapava...
Nuvens de cirros azuladas, cobrindo o manto esmeralda da vegetação cerrada do Brasil central. Sob um clima tropical úmido...nascem e crescem
 as belíssimas Gameleiras e Jacarandás, Perobas e Aroeiras, Bálsamos e Paineiras, dos milhares de Ipês do campo em florações brancas, roxas, amarelas, e até azuis, sem esquecer das esculturais “Camisas Finas”, como signo evidente da fertilidade do solo marrom massapé: “o mio du mundo!”
O céu de um anil dégradé, vário, e “lindo demais da conta”, como dizem por lá...
O qual no crepúsculo faz com que a terra e suas matas, e o rio Tijuco, na fartura das águas, que as cortam, se envolvam numa simbiose fantástica de som e cores...
Até o chegar refrescante das noites; nas quais predominam o luar do sertão... rutilíssimo, cintilante, ornado em breves intervalos concatenados, dos vários riscos cadentes das estrelas...
 Nas auroras, os elementos mesclam-se novamente, numa sinfonia única de esplendor, em que toda sua fauna flora, cantam, pululam, e se movem num pulsar uno de triunfo e de ode terno à vida...
Anton Tchekchov: “canta a tua aldeia, que cantarás ao mundo...”.
Meu vovô paterno, vindo do Líbano, “mascateava” pelos interiores afora do estado de São Paulo, “e os negócios não iam bem...” Até um “brimo” libanês convidá-lo para conhecer esse novo “Eldorado”, fincado no coração do Triângulo Mineiro; como uma mesopotâmia tropical, região formada pelos rios Paranaíba e pelo rio Grande...
As duas “fontes” iniciadoras da gigantesca e fabulosa bacia hidrográfica do Paraná.         
A colônia árabe da cidade era numerosa...
Oriundos na sua grande maioria do Líbano, mas por possuírem os passaportes do Império Otomano, ainda que vindos da Síria e do Líbano, eram todos chamados popularmente de “turcos”: os Dib, os Bittar, os Derze, os Andrauws, os Sabag, os Jacob, os Tahan, os Calil, os Baduys, etc...
E nós, os Fé’res...
Que abrasileirou se em Féres...
Vovô era alfaiate, professor de matemática e (tradutor) do árabe; mas ali, prosperou mesmo foi como um comerciante de secos e molhados, e foi por lá que plantou suas raízes...
 Como um Cedro...
Ituiutaba foi por décadas apelidada de “Arrozcap”; (“a Capital Brasileira do Arroz”), isso pela pujança da sua economia agrícola (chegou nos anos 60, a ter mais de 100 industrias “beneficiadoras” de cereais).
Com o passar do tempo o RS, tomou-lhe o cetro de maior celeiro do arroz do pais...






Obs: sob este mapa está localizada, parte do aquífero Guarani; a segunda maior reserva subterrânea de água doce do pais...
Banhada pelo majestoso Rio Tijuco, (I-tuiu-taba; significa em tupi-guarani aldeia banhada pelo Rio) e seus belos afluentes: os córregos da Caçada, Pirapitinga, do Carmo, do Baú, o ex-“Sujo”, hoje São José, com seus “santos” ribeirões; o São Vicente, o São Lourenço...
Estes, com suas respectivas e homônimas serras...
Ali, com total certeza foi um outro “Éden” tropical, ao menos nos dias dos valentes índios Caiapós...
Que defenderam o seu habitat estoicamente, com seus tacapes, arcos e flechas; sabe-se por relatos históricos regionais, que resistiram muito, até serem expulsos ou dizimados, pelas armas de fogo, dos brancos colonizadores...
Bandeirantes vorazes, caçavam entre outras coisas, os “Chibius”, que brotavam espontaneamente junto aos cascalhos, nas margens desse poderoso Rio...
Cresci nesta cidadezinha no interior das Gerais; o meu papai, farmacêutico, e político popular, era respeitado e mui querido na comunidade, (o farmacêutico nos interiores do Brasil é até hoje uma espécie de “xamã” urbano, que indica e orienta seus clientes em tudo, fora até da área específica da saúde).
 A minha mama, advogada e professora de Geografia, tinha “fama” de ser uma espécie “noviça rebelde” (isso, num ambiente acentuadamente provinciano e conservador), pelas inovações pedagógicas, com as quais tentou nos educar, influenciadíssima por A.S. Neil; o inovador pedagogo da londrina Summerhill, e autor do revolucionário, à época, “Liberdade sem Medo”.
 Tudo que uma criança com seus quatro irmãos pode desejar eu tive; nada nunca me faltou:
 Tive liberdade, pão, e muito amor...
Fui criado solto, na liberdade plena que uma cidade pequena propicia...
Assim vivi uma infância e adolescência bem feliz...Brincava e divertia-me todos os dias, junto à molecada das vizinhanças, nas ruas cobertas de paralelepípedos e de terra seca batida, subindo com destreza ao topo dos “pés” de goiabas, cajus, e mangas, para colher lá nas “grimpas” as “melhores”...
Pedalava muito de bike, jogava bola de dia sob o sol, e a noite sob a luz dos postes elétricos; e quase sempre que chovia, mama pedia para que fossemos brincar embaixo de chuva, a fim de sentirmos a liberdade da doce água que caia dos céus...
Aliás, os vizinhos a julgavam, “meio amalucada”, por esse tipo de comportamento.
Mas a sua psicologia aplicada em nós, produzia sábios resultados...
Estudei em “boas” escolas próximas de casa...
E no “quarto aninho”, do antigo “primário”, após uma conversa informal com mama, entendi, afinal, qual era a importância dos estudos na vida, (o porque tinha que interromper meus prazerosos folguedos, vestir um uniforme medonho, e desconfortável, e seguir diariamente para um local enfadonho chamado “escola...”)
Tornei-me, pouco tempo após esse inesquecível diálogo, o “primeiro” aluno da minha classe escolar, para espanto dos meus professores e até da diretora da escola, a qual era sua amiga particular, e que me via apenas como um menino esperto, porém mui indisciplinado e sempre relapso nas tarefas...um típico hiperativo, incapaz de se concentrar nas aulas.  
E foi por essa época que ganhei como prêmio, uma caneta “folheada” a ouro, do Detran de Minas, por ter escrito aos 8 anos, a melhor redação da escola; (o tema proposto fora sobre os semáforos eletrônicos de trânsito, que se instalavam na pequena cidade...)
O dia em que recebi a “caneta de ouro”, foi mesmo inesquecível, mas por um outro motivo histórico: Jânio Quadros renunciara a presidência... E papai ficara mui furibundo! ... (pois fora um cabo eleitoral fanático, tendo-o indicando como udenista, como a “grande esperança anticorrupção”, para toda sua clientela da farmácia!)
 Jânio Quadros, foi um dos pioneiros moralistas, e neopopulistas da direita brasileira,  Surgindo no cenário político para “varrer definitivamente”, a corrupção crônica da nossa forma de fazer política...Um Collor anos 60...algo utópico, pois sabemos que a corrupção brasileira antes de escandalizar a política ela é fruto cultural nato. Somos uma sociedade corrompida pela cultura da “vantagem”.
Jânio ficou apenas sete meses no poder...
Não se sabe com certeza, até hoje, se foram “às forças ocultas” como ele acusou, ou o álcool, ou os dois fatores conjugados, que o “varreu” do poder máximo do pais tão precocemente...
Porém o prêmio literário que ganhei “salvou” do meu saudoso papai, nesse dia para ele tão frustrante, o seu constante bom humor...
Udenista e lacerdista de carteirinha, tempos depois, bem decepcionado com o rumo que tomou a “redentora” (assim a direita chamava o golpe civil militar de 64), que acabou caçando também seu ídolo mor, Lacerda, resolveu então abandonar em definitivo a função espontânea da “indicação política” ao povão, como sempre o fazia...
Como a maioria do povo brasileiro, adorava o futebol, e o jogava de dia e de noite, até tornar-me o que chamam na gíria de “craque”...
Mas jamais passou pela minha cabeça um dia profissionalizar-me, apesar das insistentes sugestões dos “olheiros” de plantão, pois para mim o futebol sempre foi só um lazer...pura diversão...
Torcíamos tensos em grupos, grudados no velho rádio de pilhas, ouvindo a voz do saudoso Fiori Giliotti, ecoando pelos ares: “abrem-se às cortinas... começa o espetáculo!...”, vibrávamos bastante pelo nosso time preferido; que era do Rio, ou de São Paulo, (o futebol mineiro não tinha nenhuma projeção, nem regional, pois o “Mineirão” ainda estava sendo erguido) e após ouvirmos bordão final: “fecham-se às cortinas, torcida brasileira... termina o espetáculo”; aí discutíamos acaloradamente, com os colegas da rua, e depois os da escola, sobre qual era afinal “o time melhor...”.
No início dos anos 60, Assis Chateaubriand, sofre um AVC, e mesmo paralisado numa cama, o seu grupo vai realizando seu sonho de expansão comercial, e a “telinha mágica” ia chegando aos interiores mais longínquos do Brasil, em preto e branco...
Assistíamos hipnotizados, com direito a obrigatória “pipoquinha”, aos vídeos tapes esportivos, isto vários dias após os jogos, mas o que para nos era uma motivação só...
Ali aprendíamos atentos, observando os passos e passes de “craques” consagrados como o Pelé, ou o Gerson, “a canhotinha de ouro”, a lançar no pé do companheiro uma bola a muitos metros de distância, a chutar forte como Rivelino, “ a patada atômica”...Ou aprendendo na “teoria”, e aplicando depois na prática dribles desconcertantes estilo Tostão, nos marcadores de “cintura dura...”.
Como não havia as imagens filmadas de hoje, tomávamos conhecimento visual do “mundo”, pelas fotos coloridas, da revista “Manchete”... Jean Mazon, foi um fantástico fotógrafo francês, que para cá veio morar, registrou muito do Brasil daquela época, na sua poderosa Rolleiflex, as inovações que introduziu, nos novos “enquadramentos” técnicos, das suas ontológicas fotos-reportagens (algumas delas aéreas), expostas em cores analógicas nas páginas da outra revista rival, “o Cruzeiro”.
          Nos fins de semana, íamos sempre aos dois únicos cines da cidade, assistir aos “enlatados de holywood”, ou as “chanchadas” nacionais da Atlântica...Aproveitando tal ensejo, para “paquerar” as “gatinhas” da escola, que só mesmo no escurinho do cinema se liberavam da enorme repressão afetiva...
Meus papais, quando questionados sobre religião, se declaravam formalmente católicos, como a maioria dos brasileiros que assim se professam, mas não o praticam...
Todavia, bem cedo na vida, tive uma forte inclinação, ou uma busca real disso que denominamos Deus; assistindo as procissões clássicas nos chamados dias santos, nos quais as ruas, (inclusive a minha), ficavam forradas de adereços e serragens umedecidas, pó de café usado, e pétalas de rosas; e isto mui me impressionava, como ritual ablativos; a devoção pura  e o respeito das pessoas simples ao sacro...
Comecei então, espontaneamente, a frequentar missas aos domingos.
Elas eram sempre ministradas em latim erudito, “ite missa est
Eu não entendia lhufas, mas ia e voltava sempre... pois sentia me bem só pelo fato de ir a um templo...
Ficar ali, alguns minutos sentado, em silêncio e sozinho, nas manhãs de domingos, transmitia–me algo inefável, uma paz interna mui preciosa; que só décadas mais tarde pude reencontrá-la plenamente, sentado sozinho nos bancos dos templos da Congregação Cristã no Brasil...
A paz que excede todo entendimento, que o mundo não a conhece, lhe dou...”.
Isto porque na própria vida, sequencialmente, encontramos também nas suas várias vertentes expostas, e isto é quase sempre inevitável, o seu Ponto de Vértice; como repetia sempre com insistência esse axioma básico, nas “temíveis” aulas de álgebra abstrata, com a inseparável baqueta de regente em mãos, o meu saudoso mestre do ginásio, Ildefonso Vilas Boas...
Naquela idade, eu não conseguia nem mesmo compreender muito bem, o significado exato (ou algébrico), nem o existencial disto...
E menos ainda, o seu signo premonitório e espiritual...
Na medida em que acumulei anos vividos, através da realidade da vida, esses três níveis foram se confirmando plenamente para o meu entendimento do mundo...
Nadava sempre no pequeno clube social da cidade, aprendi a nadar bem cedo, nos córregos e nos rios, e até hoje gosto de nadar para auto analisar- me e meditar enquanto exercito-me...Solitário, absorto, e flutuando nas águas simplesmente “mergulho” num divã composto de H2 º, quando posso nadar meus milhares de metros diários, e isto é para mim, como se retornasse “ao líquido amniótico” maternal e perdido, onde refletindo o que já passei, encontro sempre renovos motivadores para seguir sempre focando em frente...
Papai ganhou na sua adolescência, em 1937, um livro de presente do meu vovô; “O noventa e três”, de Victor Hugo: “amo os homens que pensam... mesmo aqueles que pensam diferentes de mim”, no presente, uma curta dedicatória do seu papai: “está nos livros o verdadeiro amigo, ou o único diálogo real”, eu ainda guardo esse livro, e parte deste ensinamento até hoje.
Após este singelo presente, ao longo de toda sua vida, papai tornou-se um apaixonado colecionador de livros, e já adulto, montou no seu escritório de advogado, (profissão secundária, que pouco exerceu) uma belíssima e rara biblioteca, localizada no fundo da nossa casa. Sua coleção continha mais de 3.000 volumes, os quais ele fazia questão de encaderná-los, um a um, com informações básicas na capa, inclusive o seu próprio nome, e justificava (“para quem pediu emprestado, nunca esquecer de devolvê-lo”), e se o escritor ainda fosse vivo, lá ia ele “caçar” o devido autógrafo, ou a dedicatória respectiva onde estivesse o autor...
 Livros pelos quais, como tarefa imposta, éramos, eu e meu mano mais velho, obrigados periodicamente, a limpá-los, e a também catalogá-los.
Cresci “olheirando”, valiosas obras literárias...Proust, Joyce, B.Shaw, Goethe, Poe, Guimarães Rosa, Carlos Drummond, M.de Assis, etc...
Mas só vindo a lê-los mesmo, e prazerosamente, quando já adulto...
Era nesse local que ele se reunia às noites, com os seus amigos Rotarianos ou Maçons, e pessoas várias outras também, discutindo ali calorosamente, política, e “jogando conversa fora”, às vezes, até altas da madruga...
Conversavam sobre literatura, poesia, enquanto ouviam os “Long Play” da inovadora Bossa Nova; Maísa, o Agostinho dos Santos, o Nat king Cole, etc.
Tudo regado a whisky, e os guaranás “Antarctica”, e as salgadas castanhas torradas de cajus, das latinhas “Iracema”; as quais caçávamos, avidamente, enquanto eles já “meio alto”, pelos “drinks” tomados, e já empolgados nos seus assuntos, sequer nos notavam...
No quintal da minha casa tinha um frondoso “pé de pêssego”, mui lindo, e em volta do seu forte tronco, foi construída uma mesa circular com bancos de aroeira maciça, a mando da mama, onde almoçávamos, sob a sua bendita sombra, em dias especiais: aos domingos ensolarados, nos vários aniversários da família, na Páscoa e Natal...Refeições sempre lautas e saborosas, preparadas pelas mãos laboriosas da Tia La Lá, minha doce mãe afro...
Ajudante sempre presente da mama...
Por influência da ideologia do “progressismo urbanoide”, surgida num Brasil que ia deixando de ser “o país essencialmente agrícola”, como havíamos aprendido nas cartilhas escolares, com a sua população já migrando celeremente para inchar as maiores cidades...
(Continha já no seu item um, à falácia mor desta ideologia urbanista e do capital: “a de que quanto maior fosse uma cidade, melhor seria a sua qualidade de vida”.).
 Iludido por essas novidades falaciosas, ouvidas sempre dos familiares mais velhos, quis decididamente, sair desde os 14 anos, desse “paraíso perdido” em que havia nascido, e ficava “sonhando acordado” com uma oportunidade para sair da minha cidadezinha, tida neste consenso “modernoso” ou pequeno burguês, como apenas um lugar “provinciano e atrasado”.
Quando ia a uma capital a passeio, ou férias, ficava “boquiaberto”... Admirando os seus cidadãos “infelizes”, que por lá já “penavam”...
Mas não percebia esse aspecto prisional, de cativeiro pós-moderno, e almejava mesmo era um dia vir a ser como um deles.

O que não demorou muito para acontecer...
Pois é como ditam sabiamente por lá...”O castigo vem a galope...” já que troquei um ar (lugar) ecologicamente e socialmente privilegiadíssimo, e por isso mesmo inegociável...
Então haveria sim, uma “punição” com alto custo existencial a pagar pela minha vida afora, como mera consequência desse desconhecimento adolescente, ou do menosprezo ao bem maior e essencial à vida...a natureza primitiva, a qual já tinha como uma dádiva tão próxima, mas desdenhada... Como não valorizar um ar puro? Que valores malucos nos impõe um sistema de vida que só visa o lucro!...só a materialidade miserável das coisas.
Cheguei na Cidade de São Paulo com 17 anos incompletos...
Já conhecia a megametrópole das várias férias passadas com meus tios que por aqui moravam...
no fim dos anos 60 era ainda intenso o fluxo migratório...
Vibrava intensamente com o contraste claro...entre a calmaria do interior, e o que via em frenética ebulição pela frente...
Carros e motos de modelos tão diversos, o movimento sempre intenso no velho centro, suas ruas comerciais hiper abarrotadas de gente. O entra e sai...O corre e corre...O desce sobe...O vai e vem fazendo o ritmo frenético da “locomotiva do país”, ir mesmo a todo vapor...
A bela avenida Higienópolis, aonde vim morar, com seus casarões magistrais, construídos “no auge do café...”
Era só pisar no início desta avenida bem arborizada, e ir curtindo sua beleza urbana; o colégio Sion, das “madres enclausuradas”, com uma capela gigantesca em “tijolinho inglês”; logo em frente o imponente edifício do colégio Rio Branco com a reluzente fachada de mármore negro italiano...
O edifício Bretanha, com uma inovadora e modernosa fachada arquitetônica; na esquina da Albuquerque Lins, o prédio “neoclássico” da antiga Guarda Civil... Mais adiante, nos dois passeios várias belíssimas mansões, mas já se iniciando nelas os indefectíveis assentamentos comerciais, como a do consulado italiano...
Os Judeus ortodoxos, com seus solidéus e barbas, os quais, ao “enricar”, migravam do tradicional bairro Bom Retiro, circulando a pé pelo bairro, recitavam alto e levavam o “Torá”, sob seus negros trajes típicos...
Os Beatles urrando nos rádios dos carros e nas TVs, e nas discotecas, (esse era o nome das lojas de discos que vendiam os “bolachões”).
 A garoa perene da terra, (ela ainda existia), caindo sobre a megalópole como nevoa suave, constante e intermitente...
As festinhas adolescentes de gente jovem, sã e linda...
E agora sim, poderia finalmente assistir ao vivo o meu Santos, do Pelé, jogar no Pacaembu, pois estava a poucas quadras do legendário estádio...
Eu podia até avistar a sua praça frontal, da sacada do apto em que vim morar...
E nessas o coração pulsava na boca...
 O tropicalismo do jovem Caetano Veloso, convidando-nos para “tomar um sorvete na lanchonete...” afinal, vivíamos “na melhor cidade da América do sul...” E como era mesmo prazeroso ir “cear”, jogando conversa fora com os primos e seus amigos, no inicio das madrugadas, no então tradicional Chic-Chá, na Avenida Angélica, isto após ter rosetado à noite, pela Rua Augusta, das galerias e butiques “chiques”...a violência atual, era ainda só uma ficção pro futuro, por isso era possível viver assim...
Foi por esta época que até acarpetaram a badalada rua... (o primeiro Shopping de SAMPA, o Iguatemi, era apenas um arremedo do atual, só com o passar do tempo viria “destroná-la” como ícone mor de consumo de parte da elite paulistana),
 A Rua Maria Antonia, com a Universidade Mackenzie de lá, e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP (onde estudaria mais tarde) de cá...
A calça “Lee”, a legítima, (“a americana que desbotava”), a ousadia da mini-saia...
Os “flertes” inevitáveis, e as primeiras namoradinhas, os Ateliês de artes, as exposições de pinturas e de desenhos expostas nas galerias, nas quais ia sempre levado pelo primo artista plastico...
O Redondo’s Bar, com “a classe” teatral se auto-expondo, a velha Praça Roosevelt, com seus artesões e mendigos por opção (os pioneiros do ”Hipismo”), o teatro rebelde de Arena, (eu “babava na gravata”, olhando o Augusto Boal, tomando café com o Francisco Guarnieri, enquanto alguém me sussurrava quem eram, e o que faziam.) Os museus do Masp, do M.I.S, a Orca do Ibirapuera (onde vi deslumbrado, minha primeira Bienal das artes, com obras premiadas do primo Marcelo Féres) os últimos bondes que saiam literalmente de linha, os novos ônibus elétricos chegando...
Metrô?...ainda só um projeto pro futuro...
O X-burguer e o milk Sheik, os chocolates das caixinhas clássicas da kopenhagen, com direito ao laçinho vermelho, e o pipocar de imensas espinhas na cara adolescente, e o consumismo yankee vindo “a jato” da sede imperial...Trazendo de brinde, a atual desvitalização crônica alimentar, embutida no estilo fast-food imposto pelo “American Dream...”.
Mas aparentemente, e só assim mesmo, era tudo mesmo muito lindo, novo, emocionante, e sem aparentes contradições...
 Vivia em plena e total alienação política...
Pois estávamos também submersos no famigerado AI 5...
E eu era alguém mui feliz e nem sabia disso...
 Quis, entretanto o destino, que fosse estudar logo em um dos colégios mais politizados da cidade...
O colégio experimental da USP, Professor “Fidelino de Figueiredo”, mais conhecido como colégio APLICAÇÃO...
Terminara o antigo ginásio, na cidadezinha do interior de Minas, e agora me preparava para o “vestibulinho” que daria acesso ao colegial...
Minha prima, que era como uma irmã...pedira e recebera da meiga e saudosa Tia, um sim para que eu viesse morar com eles, e assim obter uma formação acadêmica, teoricamente muito melhor do que o interior poderia me oferecer.
Minha mama condicionou essa minha mudança, ao “só se passasse no vestibulinho”, por isso mesmo às minhas férias do verão de 69, fora intercalada por esse “frenesi” vivido na capital, mas também por muito estudo...
Mal cheguei já estava escalado num “grupo de estudo”, para o tal do exame de admissão ao colegial do badalado e disputado colégio...
Alunos egressos de boas escolas particulares, também estavam no páreo pelas poucas vagas oferecidas...
Pois naquela época o ensino público era mais valorizado, e em algumas escolas públicas como esta, era mesmo superior ao particular, tal a formação do corpo docente selecionado e disponível...
Formando um nível pré-universitário e bem qualificado... (detalhe: também engajado politicamente).
Um breve parêntese: com o passar dos anos, o ensino público foi decaindo tanto, iniciando-se na ditadura militar, até chegar ao nível alienante atual da infame ”progressão continuada”, da era tucana...
Pedagogia geradora de meros analfabetos funcionais...voltados exclusivamente ao mercado de trabalho.
Úteis mesmo só como oferta abundante de mão de obra “barate e abundante” ao tal mercado...
Ficando só a perguntinha capciosa: a que isso serve, e a quem interessa essa alienação? ...
Com a palavra os sociólogos de plantão...
Liberdade esta, apenas não concedida excepcionalmente, a um ex-professor de sociologia, que um dia chegou a presidir este País, pedindo para que simplesmente esquecêssemos tudo que ele havia nos ensinado sobre o Brasil...consegui governar por oito anos sem construir nenhuma Universidade...(Lula, o “operário analfabeto” fez no mesmo período 18!  FHC foi até pior do que o último dos ditadores militares, que ao sair do poder, pediu para que nós, povo, simplesmente o esquecêssemos...fechando os parênteses.
Retomando...mas para ingressar no “Aplicação”, tinha que estudar muito...”Malhar” era uma gíria estudantil da época...E isso não significava como hoje, que teríamos que ir para uma academia de ginástica, mas que nós teríamos era que ”rachar” o cerebelo, exercita-lo para poder passar...
E apesar do desnível do ensino obtido em Minas, à vontade de ficar e vivenciar as novidades foi tanta, que me desdobrei muito, “malhei” bastante, de dia, e à noite, e até de madrugada, e passei no tal exame admissional...
Estava com o caminho profissional semi traçado, pois dali para a USP seria “bico”...Nem precisaria do tal “cursinho” preparatório para entrar na melhor universidade do país, diziam, entre os cumprimentos de felicitações que de todos recebia, os mais afoitos...
Entretanto, a minha vida começou a se modificar mesmo foi na classificação final destes exames: pela classificação que obtive, a qual naturalmente, pela minha formação escolar, não poderia mesmo estar entre as primeiras colocações.... Tive que optar mesmo pelo período noturno, aguardando uma possível vaga ao diurno...
Período pelo qual na inscrição, tinha sido a minha primeira opção...
Era “pegar” ou voltar... Como não queria retornar, “nem a pau”, ao “paraíso dos caiapós”, nem vacilei, e liguei eufórico para a mama, informando-a da vitória obtida, e pedindo-lhe para que me enviasse logo os documentos necessários para matricular-me ainda que no período “noturno”...
Mal sabendo que ao fazê-lo, simbolizei também com isto, um marco inicial de um prolongadíssimo período, ou quase uma década, de densas trevas, ou de uma escuridão intensa na minha vida...  



...O coração pulsava na boca...
                      ... E eu era feliz e não sabia...
                              



                                                  Primeira Parte.
                                              

Rumo às trevas...
 
Nem mesmo o Criador consegue modificar o passado...
E ele só nos serve mesmo como algo referencial,
para evitar reincidências dos muitos equívocos cometidos...
           
Nesta época houve vários acontecimentos marcantes na família dos tios com os quais vim morar...E cujas consequências eu iria sentir na própria pele, como se fosse um próprio membro original daquele lar...
Após décadas de desafeto conjugal o meu Tio resolveu “sair de casa...”.
Indo morar de vez com a sua amante...
O meu primo mais velho, e mui querido, enxadrista aplicado e discípulo do nosso vovô, um exímio nesse jogo arte; (sagrou-se até campeão paulista de 1963), sendo um “genial”; pois treinava diariamente conosco só “memorizando”, isto é, sem sequer fixar-se no tabuleiro, jogava com neófitos como eu, até executar em pouquíssimos lances o fatal xeque-mate. Ele, passando por uma aguda crise existencial, disse-nos que iria rumo ao sul do país, para descansar uns dias, mas acometeu um suicídio, numa estrada vicinal do MT...
Pois nem o seu corpo queria que encontrassem.
Assim ganhei logo de cara, um lar em forte desajuste, e também de luto...E junto aos primeiros fios de barba, também surgiam várias dúvidas e interrogações com relação à própria vida, e principalmente à real política social brasileira do período...
Começara a perceber as sutis contradições sociais do próprio lugar em que viera morar: o finíssimo Bairro de Higienópolis, em contraste total com alguns bairros periféricos da grande São Paulo (aonde estava indo, nos fins de semana, com os colegas do noturno, praticar o meu sagrado futebol) ...
A minha “vidinha” singela vivida no interior, e a que vivia agora, num apto de cinco quartos numa área de luxo...O capital e o trabalho...O rico e o pobre, simplesmente analisados, tomavam então uma outra versão reflexiva...
No meu “grupo de estudo” do “noturno”, formado por semiproletários; que trabalhavam duro de dia e estudavam a noite, com um discurso de classe engajado e coerente, comprometido mesmo com a classe mais oprimida socialmente, bem diferente dos pequenos burgueses mais “festivos”, os do período diurno.
Debatíamos com nossos professores nas aulas, e até nos intervalos das mesmas, discutindo tudo com muito entusiasmo e inquietação: agora, eram debates sempre exaltados sobre a situação de um Brasil vivendo num regime militar de exceção...O porquê disso?...das passeatas e assembleias estudantis, sempre reprimidas com tanta violência policial...Dos protestos pacíficos sempre sufocados...Desde 1968, “o ano que não acabara”, ainda latentíssimo em 70...Revoltas e discursos contra a forte opressão vivida...Afinal parte da minha geração, queríamos mesmo era compreender só isto: “o porquê de tanta repressão e tanta miséria num país tão rico?...”.
Só o fervor e o ânimo nos debates continuaram o mesmo de antes...os temas é que já haviam mudado, não era mais o futebol, como em Minas...agora era a real política.
Qual dos dois sistemas seria o melhor? Ou mais justo...O capitalista que vivíamos, ou seu oposto, o socialismo, o qual idealizávamos como saída? E qual a resistência que se deveria se ter diante deste estado militar opressor...inclusive qual a opção de luta que julgávamos com maiores possibilidades de uma vitória real diante de um estado ditatorial implacável em que se vivia; pois a esta altura já havia um canto de sereia solto no ar, ofertado como uma opção de resistência efetiva: a luta armada...
Através dessas observações e discussões constantes, fui naturalmente sendo cooptado como base simpatizante da organização VAR-PALMARES; (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, em homenagem a Zumbi dos Palmares) orientação política de extrema esquerda (marxista-leninista) com forte penetração no meio estudantil, uma organização política que propunha taticamente a “luta armada contra a ditadura dos patrões”; para derrubar do poder, a elite da burguesia nacional, aliada incondicional ao imperialismo, e aos altos comandos militares; para então estrategicamente instaurar a tal “Ditadura proletária...”.
“Construir o primeiro estado socialista da América do Sul...”
A meta era ”criar um, dois, três Vietnã (s)...”.
“Demolir pelas bordas o imperialismo opressor! ”.
Estas eram dentre várias outras, “a” palavra de ordem: “ousar lutar, ousar vencer”...
A VAR Palmares, surgiu de uma dissidência política da “militarista” VPR, (Vanguarda Popular Revolucionária) começando como um pequeno foco de vanguarda, intelectualmente bem preparado, e através de algumas ações armadas espetaculosas, (o assalto aos milhões de dólares do cofre caixa dois, do ex-governador Ademar de Barros, “o que roubava mas fazia” por exemplo) este fruto gordo, possibilitou financiar suas bases militantes profissionalizadas, sem ter que se expor em pequenas e arriscadas ações paramilitares de assaltos aos bancos, que chamávamos de desapropriação, como as outras organizações clandestinas foram obrigadas a o fazerem, para se manterem...Formou-se  um núcleo militante empenhado em atrair para a sua Vanguarda principal, as lideranças exponenciais estudantis, e das massas trabalhadoras, principalmente operárias, exploradas pelo nosso “capitalismo tupiniquim ou selvagem”, (como era denominado à época); “conscientizando”, ou politizando os trabalhadores deste polo do terceiro mundo, a lutarem política e organizadamente por sua “libertação” final...
E blá blá blá...e blá blá blá...e mil outros blá blás..
O poder transformador da palavra mundana é condicionante é mesmo forte...
E “avanti povero, si, faremo sciopero!...viva Stalino!... viva Kruschevo!...”.Cantávamos nos raros momentos de lazer...raros porque odiávamos a chamada esquerda festiva...”uns acomodados e frouxos...”
 “lá mea noite com cielo stellato, lo santo papa será enforcatto!...”.
Comecei a minha, assim chamada, “formação teórica”, lendo a “História da Riqueza do Homem” de Leo Huberman... (Um marxista norte-americano, que traçou um didatismo simplificado da linha da história, explicando a luta de classes para neófitos; junto ao clássico Manifesto Comunista, de 1848 (que era a cartilha inicial, com o final imperativo...) “Vós nada tendes a perder, a não ser vossas prisões...
“ Proletários de todo os países, uniu-vos! ”
 Lênin, Bukarin, Celso Furtado, Gilberto Freire, Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda, o excelentíssimo historiador Nelson Werneck Sodré, o sociólogo alemão, André Gunder Frank (“na esquerda, onde está o coração” versa o prefácio do seu (“Teoria da dependência”) “Desenvolvimento do Subdesenvolvimento”), pois era assim também, e, sobretudo, com o coração que eu mergulhava fundo nessa onda de rebeldia e esperança de dias melhores para o nosso país...
Marta Heineckher, Louis Althusser, Isaac Deutcher, etc... E muito, Leon Trotsky...
Éramos simplesmente uns “istas” a mais, na infindável divisão das tendências ideológicas, da esquerda internacional e a cabocla...
Simpatizei e identifiquei-me com os ideais comunistas de igualdade e fraternidade, pelo meu humanismo nato, ou pela minha sensibilidade natural ao oprimido, entretanto, só muitos anos mais tarde, porém, vim a descobrir que os verdadeiros e primitivos “comunistas” existentes nesta face de terra, foram num passado longínquo, e ainda o são, os cristãos autênticos...Aqueles que cotidianamente renunciam a si mesmo, sem dificuldades, simplesmente, e sem nenhuma causa própria, dedicam-se, comunitariamente, a viver e a servir e a amar ao seu próximo, num mundo por demais carente disso: do verdadeiro amor fraterno e celestial...
E à medida em que absorvia esta literatura política, ia deixando para bem longe aquele menino alegre de Minas, que amava os Beatles, e os Bee Gees, que adorava o Santos de Pelé, e que achava mesmo que um dia qualquer, caminhando distraído pelas ruas, ”sem lenço nem documento”, poderia encontrar a minha “Duda Cavalcanti da vida”, e daí então eu seria “feliz para sempre...” (só lembrando para quem não sabe, quem foi essa morena carioca: ela era na mídia e moda, dos anos 60, a “Gisele Bündchen” da vez.).
E eu, o moleque que simplesmente “matava” a todos de rir...Que era um imitador exímio do andar, e da voz, do Mazzaroppi, que fazia com maestria, todas as caretas e gestos de Jerry Lewis, aprendidos no cinema...(talvez por vocação teria sido um ator), por isso fui ficando aos poucos amargo como fel, como se fosse mesmo um proletário oprimido e explorado...
Comia pouco, e ia rejeitando com desprezo o estilo de vida pequeno burguês.  
Eu, que era um autêntico palhaço, que em fazendo os outros rirem, encontrava a minha própria felicidade, um moleco, que brincava o tempo todo com tudo, e que só alegrava todos a minha volta, fui me transformando miseramente, num robô insensível, cheio de fórmulas explicativas de tudo sobre a vida e os homens, e apto a doar até a minha própria vida, se preciso fosse,  em prol de algo que nem mesmo eu, como um adolescente pequeno burguês, conseguia ainda entender claramente o seu significado institucional e histórico: “a Revolução proletária internacional...”
E além disso, a forma casuística e estreita pela qual essa ideia me foi passada, e eu ingenuamente a assimilei!(a de que a “revolução socialista” seria a resolução cabal para todos os malefícios existentes na natureza humana!...)  
De que na “guerra fria”, que vivíamos, a raiz de todos os males, provinha apenas do norte continental: sim, acreditei mesmo que o “mal” mundial era uma exclusividade “made in USA!...”
Tornando-me assim o próprio xiita tropical, amaldiçoando seletivamente em tudo, apenas a América do Norte, como sendo o “grande satã” do planeta...Culpava um país no lugar da própria natureza perversa do homem...
Aprendi logo com os companheiros, a cantar hinos como a “Marselhesa”, e a “Internacional”, e várias outras canções “revolucionárias” num portonhol medonho, mas que me tornava um visionário... Ou um parvo iludido, com apenas 18 anos de idade...
Com certeza por contar com pouquíssimas experiências vividas, e sem afinadas orientações para a vida, como possível contraponto; quem sabe até dos próprios pais, e eles àquela altura ausentes; cri então, com fervor total, neste autêntico “canto de sereia...”
Dos vários que a sequência da vida, vai nos apresentando, e ainda não temos a necessária malícia, nem possuímos ainda os imunes “ouvidos de mercador...”.
Na verdade, tive até algumas conversas e discussões com algumas pessoas sensatas, e mais experientes que eu, mais próximas, que percebiam a radicalização sem volta em que ia me metendo, e alguns me deram vários “toques” sutis, mas o jovem, e o de qualquer geração, é, sobretudo um imediatista, um fóbico centrado na autossuficiência e também na arrogância de suas voláteis convicções...Em outras palavras, não escuta mesmo os diversos avisos que recebe, de que logo ali na frente, “tem um boi enorme deitado na linha...” e vai mesmo como um maquinista afoito com tudo, cegamente, ao encontro do intransponível, e até já avisado obstáculo...
Muito pouco se ”lixando” para as possíveis consequências...
Lembro-me, de um diálogo que tive com meu querido e saudoso primo Marcelo Féres, que me iniciara nas artes plásticas; ele captou minha transformação repentina, e quis me dizer algo sobre aquilo que eu trilhava entusiasmado, pensando em ser eu, o próprio inventor da roda, todavia, disse-me que aquilo que eu propunha panfletária mente, era apenas um velho cardápio “de insensibilidades“, pois a própria violência preconizada para atingir o fim almejado, já era um dos sintomas claros desta tremenda insensatez, e que isto só poderia ser gerador de resultados afins...
Ah! Se isto fosse assimilado naqueles dias, como hoje o entendo! ...
 Certamente ter-me-ia poupado de ter passado por diversas situações bem desfavoráveis e desconfortáveis, e quem sabe dar até uma reviravolta no meu caminho, o qual já ia se obscurecendo gradativamente...
 Entretanto, não dei mesmo ouvidos...Preparava-me com todo afã possível, para tornar-me um guerrilheiro urbano; e o meu primo, não passava para mim àquela altura de um “desbundado”, (era assim que chamávamos no maior desprezo, os desengajados políticos), ou então de que ele seria apenas mais um “burguesinho sem perspectivas...” Alienado pelas drogas exportadas pelo imperialismo ianque, para “detonar o potencial revolucionário da juventude latina...”.
Pois nesse período houve uma influência mui forte da filosofia pacifista, da contracultura e das drogas lisérgicas, como formas de protesto anticapitalista, isto também ecoou na juventude da classe média brasileira...Influência direta das mensagens internacionais como “faça o amor, e não à guerra”, vindos dos históricos festivais musicais de Woodstock, e da ilha inglesa de Wright, e dos inúmeros protestos pacifistas mundiais, especialmente contra a famigerada guerra do Vietnã...
Mas nós, não assimilando a essência da célebre frase de Che Guevara, ficamos endurecidos mesmo, e com a ternura já perdida ou reprimida, repudiávamos também até essa forma de protestar. A revolta contra a ditadura era mui forte. Só a nossa opção de luta proposta, a armada, é que poderia ser a válida...Não assimilamos a sabedoria oriental de saber tecer um “feixe”...Ou de lutar simultaneamente nas várias frentes, contra um poderoso inimigo comum...
À medida que ia adquirindo esse tipo de “consciência teórica”, ia “evoluindo nos estágios” até estar apto, ou pronto para a militância armada em si...Teria ainda que “evoluir” numa escala de três níveis básicos (teórico, ideológico, pessoal); numa graduação evolutiva (N1, N2, N3) a serem avaliadas pelo “coordenador” do nosso grupo, antes de poder “pegar em armas”, ou militar nas efetivas e práticas “ações políticas”.
Como não tínhamos, ainda, nosso “aparelho” próprio, pois vivíamos ainda na “legalidade”; encontrava regularmente com minha base de militantes, nas ruas movimentadas do centro, sempre discretamente, evitando ao máximo chamar qualquer atenção, pois mantínhamos um grupo definido, permanente de estudos teóricos, compostos de uma célula com quatro membros, um desses (o líder) se ligava ao corpo da organização...ou Da “O”, como cifrada mente, a chamávamos...
Reuníamo-nos, periodicamente, nos mais esdrúxulos e inimagináveis locais: como bancos desertos de praças públicas, mesas “de fundo” de bares periféricos, ônibus, e trens suburbanos vazios, etc...Para podermos analisar os documentos vindos da Organização, impressos nos “reco-reco” (uma impressora artesanal), e discutirmos em grupo, os livros lidos, e demais assuntos proibidos pela repressão da ditadura militar...
Como normas de segurança preventiva, tínhamos os nossos nomes frios, sinais codificados para os encontros, e senhas para confirmar os reencontros...
E à medida que a repressão policial ia fechando seu cerco cada dia mais feroz, nas outras organizações de luta armada mais agressivas que a nossa O., como a VPR e a ALN, o MRT, o MOLIPO, etc... (a VAR era inclusive criticada por essas O. (s), por ser “muito teórica, e pouco prática”), ficava cada dia mais difícil de se encontrar em grupos, sem se expor de alguma forma...
Todo o cuidado tomado era ainda pouco pra não ser “entregue” anonimamente, (e muitos “caíram” assim) como suspeito de ser um “perigoso terrorista...” havia até cartazes nas ruas, aeroportos, e estações rodoviárias, de “Procura-se”; aos que viviam na clandestinidade e que já tiveram sua identidade descoberta, caçados agora como os “bandoleiros” do “velho oeste’, na América do eram no sec. 19... e não fora por acaso que tal “sugestão” viera da própria C I A...
E naquela altura, pelo crescimento econômico atingido, os militares ficaram vitoriosos em quase tudo: na luta ideológica, o tri campeonato mundial de futebol recém conquistado no México, estava sendo usado, descaradamente, como marketing político; encobrindo assim as graves e crônicas contradições sociais, foi quando lançaram o apelativo, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, apostando na exaltação ufanista do “país grande”, e do verde-amarelíssimo, do “pra frente Brasil”, das obras faraônicas como a transamazônica, a ponte Rio-Niterói, e ao “direito natural” das 200 milhas costeiras, etc...
 Mas principalmente na economia...Vivíamos o auge do “milagre econômico” do então “Czar”, o obeso genial, Delfim Neto...Numa conjuntura internacional favorável, o PIB nacional crescia a índices inéditos, de 7%, a mais de 10% ao ano. E finalmente, o aparato repressivo policial montado para sustentar o regime militar, foi literalmente monstruoso...
A OBAN-DOI-CODI, o CENIMAR, DOPS, SNI, CIE(s) etc...Todos regidos e assessorados competentemente pela CIA...Com “cursos” preparatórios ante guerrilha; aqui, e no exterior, coordenados pela “inteligência” estratégica da nossa ESG...(Escola Superior de Guerra)
Éramos na maioria jovens idealistas, na maioria de classe média, iludidos de que poderíamos vencer poderosos obstáculos armados pela repressão, apenas pelo idealismo, e voluntarismo; aliado a algo que jamais veio: o tão sonhado apoio popular “das massas trabalhadoras exploradas”...
A bravata propagada, entre nós, como exemplo de que o “foquismo”, que fora vitorioso em Cuba em 1959, voltaria a triunfar em outros países latinos, já era a essa altura totalmente inviável...Pela prevenção que este importante fato histórico levantou, acelerando um melhor preparo preventivo das forças contrarrevolucionárias. A própria execução a sangue frio, de Ernesto Che Guevara, após ser capturado vivo, na Bolívia, em 1967, fora já um recado bem claro deixado pela CIA, indicando apenas isso ao exterminar um ícone revolucionário latino: que a inteligência do império, não vacilaria mais, como o fizera em Cuba em 59, que simplesmente não permitiria mais outro espaço vermelho, no tabuleiro estratégico da então “guerra fria...” nem na longínqua Ásia (Vietnã), e menos ainda no seu quintal continental.
 Só nosso radicalismo impedia de perceber o óbvio, então menosprezávamos o envolvimento planejado, e a devida competência organizacional da CIA, da sua reação contrarrevolucionária com prenuncio já vitorioso, efetivada eficazmente, numa regência conjunta com a entreguista e apavorada direita brasileira...
 Ensinavam subliminarmente, ou ostensivamente mesmo, pela mídia amordaçada e subserviente, que “comunista”, (lia-se “terrorista”), ”comem criancinhas vivas no seu café da manhã...” conseguindo bloquear e confundir assim o possível elo conscientiza dor entre vanguarda e o povo... E enquanto doutrinavam isto pela mídia comercial e patronal, caçavam avidamente e engoliam vivos nos porões das prisões, em surdina, os cidadãos brasileiros que ousaram se opor à vergonhosa ditadura entreguista instalada...Seres humanos que lutavam com todas as suas energias e ideais, por mais justiça e melhores condições sociais, num país inconsciente e miserável...foram torturados, e algumas centenas trucidados nos porões das prisões.
 Mas a “massa” silenciosa e submissa, dominada ideologicamente, absorvia só o que vinha de “cima”, oficialmente; e nós, “dando seguidos murros em ponta de baionetas”, confiando de forma ingênua ou desinformada, que “em breve”, ou ”um dia”, os ouvidos e estômagos desse povo secularmente subjugado, escutariam nosso clamor entranhável de Vanguarda Armada Revolucionária, e se ajuntariam para lutarem conosco por mais justiça, pão, e dignidade...Como Ganga Zumba, dos Palmares, há seu tempo o fizera pela liberdade do seu povo...
A palavra de ordem era ”ousar lutar, ousar vencer! ” que vinha grifada nos finais dos comunicados internos da O...Entretanto, na composição majoritária de classe média do corpo da O., inexistia a identificação original de classe per si oprimida, e dialeticamente transformadora, e os poucos militantes que possuíam um nível ideológico mais combativo e comprometido visceralmente, com a causa, semelhantes à Zumbi dos Palmares, estes simplesmente morreram torturados como heróis anônimos, pela “opção turca”(silencio total ao ser preso) que ousaram, pois a maioria da militância era arremedo do convicto revolucionário, uns se reintegraram bem rápido no sistema econômico, para subsistirem, e outros optaram mais tarde, por sua própria origem de classe, a viver prodigamente, num capitalismo iníquo, o qual não conseguiram mesmo implodir...
Hoje, sabemos muito bem, até através de documentos históricos já expostos pelos governos democráticos ulteriores, de como a inteligência norte-americana reagiu rápido, quando sentiu seus interesses vitais e estratégicos  ameaçados, de como tão bem planejou e definiu a situação, tapando os ouvidos, e os olhos populares, impedindo-os de enxergaram a sua própria mísera e opressiva realidade, criando vários artifícios Techno-ideológicos, alienantes dessa mesma realidade, e de como os militares brasileiros, complementaram esse trabalho, em nome da Tradição, da Família e da Propriedade, e até de Deus, operando na pura truculência, fechando bocas inconformadas, e fraturando mãos resistentes à opressão, na prática mecânica das torturas, e nos assassinatos e desaparecimentos anônimos...
Reverencio, in memorem, as dezenas de centenas de brasileiros idealistas, que foram mortos, (438), afora os índios, para tomada de terras, e os camponeses pobres, que por não terem parentes de classe média passaram anônimos... e depois denominados pusilanimemente, pela repressão militar assassina, de “desaparecidos”.
Pois foi mesmo, ainda que diminuta no tempo, uma guerra civil não declarada oficialmente, na qual sempre prevaleceu apenas à força do gigante Golias...
Davi, acuado, após um desafio precipitadamente feito, pois não tinha ainda encontrado, nem a “funda” nem a “pedra fatal”, (o necessário apoio popular) para atingir a testa de um gigante super. Armado, que ao ser provocado, irou-se com tal ousadia...
E simplesmente o trucidou...
E os altos comandos militares, estes sim, autênticos fratricidas, que receberam por esse feito inglório, como “pago de troca”, do grande irmão do norte, as velhas “migalhas” no estilo da “Aliança para o Progresso” pós-2ª guerra, que foram, dessa vez, os investimentos maciços de capitais, e as transferências de (TI), do tão almejado “Know How tecnológico”; ou simplesmente recebendo por terem se saídos vencedores deste embate inglório, as tais das “batatas”; como repetiria se vivo fosse, nosso gênio literário, o mulato mestre José Maria Machado de Assis...
Enfim, que consternação em refletir que tudo isso foi plena, e sanguinariamente executado, excepcionalmente, para manter inalterado o “status quo” ocidental do período, no qual o Brasil era, e continua sendo, um dos “campeões do mundo”, da concentração de renda...(menos de 10% da sua população apropria-se, dentro de uma pseudo legalidade instituída, de mais de 75% das riquezas que aqui são produzidas)...
Alienação tal que inequivocamente, gera as misérias e criminalidades cada vez mais crescentes, estas decorrentes sim, deste desequilíbrio social nefasto, injustíssimo e até inacreditável para um século 21...De tantos avanços tecnológicos...E tão retrógrado eticamente!...Isso fará com que Carlos Marighela (ALN), tido como ”o inimigo nº1 da Ditadura”, talvez daqui a uns 50 anos, seja comparado pelos estudiosos da nossa história contemporânea, a um outro Tiradentes, este do final do séc 20, que será reconhecido como mais um mártir latino que quis romper a corrente imperial monopolista, e opressora, do capital internacional...E que para tanto se imolou...Ou o imolaram...
Pois este é o pecado coletivo mortal, ou moral, da elite branca opressora e mercantil que aportou por aqui há mais de 500 anos...Que perversamente extraditou e escravizou o negro Africano, e subjugou e quase exterminou o índio nativo...(já que este, mais rebelde por sua natureza livre, menos se submeteu...).
Deixando-os pelos séculos subsequentes, gerações miscigenadas de “descamisados”, de ”sem tetos”, e de “sem terras”, sendo atualmente os milhões de deserdados, entregues à mercê...das leis draconianas da oferta e procura, no impiedoso e globalizado “deus mercado...”.
 Elites egocêntricas, que ainda vendem cinicamente ao mundo exterior e desenvolvido, até hoje, a espúria falácia, de que somos uma nação formada por um povo cordato e gentil.
Entretanto, de vez em quando, esse pano cai abruptamente, quando grupos de turistas, destes próprios países, são, antropofagicamente, aqui assaltados...E barbarizados...
(e aí retornam os foros dos cínicos debates na mídia, e no parlamento, se deve ou não se deve, aplicar a pena de morte no nosso código penal, se deve ou não, se reduzir à idade da maioridade para se assumir a responsabilidade penal).
Pois em nosso país até hoje, infelizmente, as discussões que buscam a justiça social e uma melhor redistribuição de renda, e também soluções ante a insana violência atual, nunca são focadas na sua real origem formadora, ou raiz histórica...
Querem resolver essas questões socio-estruturais, com apenas mais repressão penal e policial...E isto é ficar, sem dúvida alguma, cada vez mais distante de uma eficaz resolução destes crônicos e dramáticos entraves da nossa formação histórica...
Mas retornando aos anos 70...
O fuzilamento sumário de Carlos Lamarca (VPR), sozinho e seco, dormindo sob uma árvore no sertão baiano, em setembro de 1971, numa operação policial denominada “pajuçara” (o que em tupi-guarani significa mui grande).Pois era sim enorme a necessidade de exterminar um ícone da resistência armada, como foi este ex-capitão do exército...Que paradoxalmente foi “entregue” aos seus algozes, por uma pessoa simples do povo, um camponês explorado pelo qual ele lutava, simbolizando com perfeição surreal o nosso total isolamento como Vanguarda...
Ou a total incapacidade, destas Vanguardas, de tornarem-se o elo de conscientização popular pretendido...Pois foi esse isolamento afinal, o fator principal, a pedra jamais lançada, que nem ameaçou o cérebro do gigante repressor, e que acabou selando a nossa rápida e fragorosa derrota...
 Lembrando que um pouco antes desse episódio histórico da VPR na BA, a Var-Palmares havia “caído” com tudo em SP.
Pérsio Arida, ex-Banco Central de FHC, e mentor principal do atual plano econômico Real, era do nosso comando regional quando foi preso; lá no Colégio Aplicação, ele era tido como um “menino prodígio”, ou um “gênio” da tão sonhada revolução...
Um dia, informalmente, nos respondeu quando questionado, com um dos chavões clássicos do marxismo, de que antes do final do século (estávamos em 70), que em 30 anos no máximo, “pela marcha do processo histórico e produtivo” chegaríamos inevitavelmente ao poder; e ironicamente, dos que estavam nessa conversa só ele próprio foi quem chegou lá; assim mesmo apenas planificando e tentando salvar do caos inflacionário, o tal sistema econômico iníquo que ele, na sua juventude, tanto queria substituir...Auxiliando a criar, com outros economistas de “esquerda”; primeiro o fracassado plano Cruzado, e depois o atual Real. Levando como bilhete premiado, uma generosa participação acionária, na concessão da Telemar, produto de mais uma e dos vários, e corruptos processos de privatizações, efetuados na onda neoliberal da era FHC...
Primeiro “caiu” à direção central da organização. Depois os militantes de Minas (o Co-li-na era uma parceira incorporada a Var), e do RG do sul, a mineira Dilma Rousseff, HOJE PRESIDENTA AFASTADA POR UM GOLPE PARLAMENTAR JURIDICO POLICIAL, ela era do comando nacional quando foi presa com quase toda direção no Guarujá, e num “efeito dominó” (pois o comportamento dos companheiros perante os torturadores, (o dela não tenho informações seguras, o do seu esposo na época sim, não “entregou nada importante”)  quando capturados, era, com raríssimas exceções, bem vexatório), a militância do Rio de janeiro também foi toda presa...
Com o tal efeito dominó acontecendo, a minha prima Nádia, foi obrigada a fugir às pressas para a clandestinidade, e logo após alguns dias, “caiu” também...Ela, uma jovem de 20 anos, foi também barbarizada, como muitos, pelo abominável delegado do DOPS, chefão do famigerado “Esquadrão da Morte”; o “professor” Sérgio Paranhos Fleury...(mais tarde, ela exilou-se voluntariamente para Portugal, querendo esquecer que viveu num pais chamado Brasil ...Fleury a essa altura já dava “aulas” didáticas para a polícia política, de como extrair, satisfatoriamente, as ansiadas informações, nos interrogatórios “difíceis”...
E eu, que me preparava, com afinco, para ser um desses que iriam “cair heroicamente” em breve, fui simplesmente poupado pelo destino, graças à precipitação desses acontecimentos...Mas fui poupado principalmente, de ter as minhas mãos manchadas para sempre de sangue inocente, em nome de qualquer “causa”...Ou de ter um dia assaltado (“desapropriado”, na nossa pretensiosa moral, e linguagem própria) estabelecimentos bancários e comerciais na finalidade de arrecadar fundos para a tal “revolução”...
Não tive também que pagar o incomensurável “mico”, das consequências de ter assimilado de forma tão ingênua ou adolescente, o princípio Maquiavélico de que “os fins justificam os meios”. E de um dia auxiliar, até com o sacrifício extremo da minha própria vida, lutando para colocar no poder central de um eventual estado socialista, “companheiros” de quilate moral d(el)úbios, como os de um Pérsio Arida, ou talvez até de um Zé Dirceu da vida, por exemplo...todos, posteriormente picados pela indefectível “mosca azul” do poder.
Livrei-me também dessa responsabilidade anônima do militante empolgado, cego e surdo, e que sempre





+”carrega o piano!”.
A VAR Palmares propagava a doutrina de que com a revolução socialista se criaria enfim “o Homem novo...”
Hoje me pergunto como isso seria possível sem uma verdadeira e real  “revolução” no interior de cada um...Pois em sua maioria, com raríssimas exceções, dos seus membros eram mui personalistas, competitivos ao extremo entre si, mui vaidosos, alguns presunçosos, outros cheios de si próprios, como possíveis pseudo-heróis de uma causa, de moral tão petreamente egocêntrica, idêntica em essência aos burgueses que combatiam e criticavam, e como não havia nenhuma perspectiva de transformação psicológica, ou espiritual a vista, (apenas a socioeconômica era visada), o que poderiam virem a trazer de tão inovador? Que estilo de vida, realmente diferenciada ética e moralmente, poderíamos propor?
Queriam transformar as injustiças do iniquo capitalismo! E convenceram a muitos de nós, puros idealistas, a o fazerem também, ainda que para isto pudéssemos em risco a nossa própria vida, e queriam nos convencer de que esse “altruísmo” valeria sim a qualquer pena, mas sem mostrar exemplos reais e veros em si próprio...
Entretanto, em que melhoraríamos o atual mundo, se como agentes transformadores éramos produtos de um sistema moralmente decadente e doentio, apodrecido de valores.
 E como frutos originais deste sistema, nem tínhamos mesmo uma percepção autocrítica e bem esclarecedora disto: a de que éramos agentes transformadores, mas já também envelhecidos na nossa essência, “enfermos” até nos (pré) conceitos, anseios,  e projetos...
E de que todos necessitaríamos mesmo, era de uma transformação visceral, ou essencial, antes de qualquer atitude transformadora socialmente...
Vejam só o que sucedeu com a probidade ideológica, e da ilibada “ética socialista”, com o passar do tempo...
O que aconteceu com a simples chegada de alguns destes ex-militantes ao poder, ainda que poder burguês? A revolução social sendo agora construída com as armas sedutoras do capital!... O suborno e corrupção!...
 Maquiavel, ainda hoje os justificando o injustificável...Confirmando a máxima da fábula de George Orwell, de que “existe sempre, uns iguais mais iguais que os outros!...”.
Porque isto é algo similar aos cínicos, ou hipócritas, que hoje, enquanto teorizam sobre a importância da uma consciência ecológica necessária, e dos perigos eminentes do “efeito estufa” planetário, vão soltando simultaneamente, largas baforadas de nicotina e CO2 na cara do seu interlocutor.
Hoje sei bem, que esse tipo de gente não poderia nunca ser vanguarda de nada...
Em tempo algum...Pode ser este um dos motivos principais pelos quais fomos derrotados tão rapidamente...
E estavam e ainda hoje estão pretensiosamente, requisitando esse papel...
Pois nunca possuíram mesmo nada de inovador, ou de verdadeiramente ”revolucionário”, já que nunca os tiveram, nem qualitativos, algum para a melhora significativa da vida no planeta...Pois nem o sentido do bem coletivo, conseguiram ainda desvendar em si mesmos, nem tampouco a renúncia despretensiosa de si mesmo ao próximo entendem, (algo que um cristão convicto, ou um homem “humanizado”,  o faz sem dificuldades), falando pelo coletivo são sempre sombras do próprio ego buscando apenas a notoriedade individual...Por esse motivo mesmo sempre se dando uma importância exacerbada, indevidamente, e em tudo...
Com a queda dos companheiros de direção, , presos numa reunião nacional na no litoral paulista, desconectado da O., acéfala, (com o efeito dominó acontecendo, o  coordenador do meu grupo exilou-se do país a tempo de não ser preso) e eu que era ainda um simples aspirante, chamado de N2, portanto não fui atingido pelo tal efeito cascata dessas “quedas”...
Fui viver aquilo que segundo a teoria leninista, (“Um passo a frente e dois atrás“), denominávamos de “refluxo revolucionário...”.
Fui então aprimorar a minha formação teórica...Já que a prática fora simplesmente abortada prematuramente...seguindo orientações de um dirigente que conseguiu sair da prisão e reorganizava a luta, fiz um cursinho preparatório, no “Equipe Vestibular”, em meio ano, e entrei na USP, em Ciências Sociais...
No “milagre econômico” Delfiniano, enquanto estudava, Weber, Durkheim, e Marx, acompanhava criticamente o triunfo dos medíocres, e arrivistas de plantão, das mais diversas atividades e setores da nação, com um desprezo ideológico absoluto...aos jovens alienados da realidade brasileira, tornando-me assim um radical no sentido literal, e por isso mesmo mui amargo...
Perdera de vez o humor que ”salva”, segundo Carlos Drumonnd de Andrade...
E foi assim que comecei os anos 70...Frustrado pelo fim do “sonho” revolucionário de poder colaborar na construção de um país mais justo e igualitário...
E por essa impossibilidade, isolei-me mais ainda do social, e também etária mente...
Secando assim, os últimos favos de humores da minha juventude.
E para complementar o triste perfil que construía, perdi subitamente, minha querida mamãe, num trágico acidente viário em Minas Gerais...
 Logo após essa tragédia familiar, meu papai, vendendo seus bens locais, veio com minhas duas irmãs menores e a inseparável tia Lalá, de mudança para SP, e juntos, com meu irmão mais velho, fomos morar no simpático bairro de Pinheiros.
Mas a essa altura, o menino alegre, entusiasmado, e afetuoso de Minas, já havia também “morrido“...
Surgindo no seu lugar uma desesperança enorme em tudo...
Daí para as drogas foi só “um pulo...”.
No começo era só a maconha...Sabia aonde meu primo e meu irmão mais velho “moco zavam as coisas...” comecei assim minha escalada rumo ao inferno destrutivo e absolutamente trágico do mundo das drogas, furtando deles um enorme naco de maconha e fumando sozinho...(e ainda ria dos dois, quando discutiam entre si sobre quem “passara a perna” em quem... já que de mim não podiam desconfiar nunca, pois era radicalmente contra as drogas... (E ATÉ os vivia criticando por isso...).
Comecei a usar a sensibilidade provocada pela “cannabis”, para ouvir música clássica e desenhar, porque paradoxalmente não queria, nem me ajuntava com a malucada alienada da realidade, preferia curtir sozinho...
Um dia, recebi uma carta vinda de Londres, do meu primo Marcelo, que para lá se mudará, com doze “cabeças de grafites” (LSD) dentro, e lá estava escrita profeticamente só isso: “boa viagem...”.
Aí viajei mesmo... Como Adlous Huxley, descobri também um “admirável mundo novo”, de cor e de significados nunca antes imaginado... Chegando “às portas da percepção”,
Foi quando descobri o significado psico social de Aparência e Essência...
Apliquei meus estudos sociológicos nessa descoberta fantástica, e a aceitação do sistema socioeconômico ficaria bem mais complicada e dificultosa, no correr dos anos seguintes, tornando-me, como diria o poeta, “um gauche” perpétuo na vida...
Não era mais o militante robotizado por fórmulas ideológicas, porém agora intrinsecamente ao conhecimento que adquiria das coisas e da realidade, sempre teria uma atitude “outsider”...Era sempre alguém insatisfeito com as mazelas inerentes do “sistema”...Daí a dificuldade imensa em inserir-me...
Por exemplo, eu que nunca engolira o consumismo, nem a “corrida do ouro”, para adquirir futilidades e bugigangas... Fui trabalhar como estagiário logo numa local que preconizava tudo o que ideologicamente abominava: uma agência publicitária...
Um diretor de arte dessa agência, numa dessas festas malucas em que começara a frequentar, viu e gostou do meu traço rústico e mui satírico dos meus desenhos (fazia caricaturas das pessoas só para me divertir).
 Ao ver a sua própria caricatura pronta, (com dois cifrões cravados na íris), ele gostou tanto, que quis me conhecer imediatamente, e logo depois de cumprimentar-me pelo desenho me ofereceu uma mesa, com material à vontade, um ótimo salário, e o tempo que eu quisesse, para que desenvolvesse comercialmente essa originalidade...
Já ouviste alguma vez aquilo dito do sistema do dinheiro que “o cavalo selado só passa na sua porta uma vez...”.
Pois é, porém, comigo, também por destino divino, nunca foi exatamente assim...desdenhei, e ainda sobrevivi na guerra da subsistência...
Essa agência tinha a conta da Coca-Cola (Macnn Ericsson) e eu via os meus colegas de trabalho não como seres humanos obrigados a trabalharem para sobreviverem...
Mas sim, pessoas altamente alienadas da real situação vivida no Brasil, e eram também, com relação à fome e opressão política etc..Que estavam ali usufruindo o tal do “milagre econômico” do Delfim Neto, criado na ditadura, do início dos anos 70, em que desde o final da 2ª guerra, norte-americanizou colonialmente nossa classe média rumo ao consumismo...
Não consegui ficar muito tempo mesmo, fumava maconha em pleno banheiro da empresa, como que pedindo para que me mandassem logo embora, pois pela janela enquanto fumava, via o sol, e era verão, férias, e eu tinha só 19, e não me conformava de forma alguma com aquela situação prisão. Ficar preso oito horas por dia da minha vida, num local que tinha por finalidade única induzir as pessoas a um vazio chamado consumismo... frustração total.
( Nesta vez  deixei “o cavalo selado passar”, mas tive a felicidade de na sequência da minha vida, muitos anos após, vê-lo passar outra vez... e aí montei mesmo... dessa vez já calçando “as esporas” da experiência...).
Com a dispersão e fim da organização Var-Palmares; na descrença cada vez maior da ideologia marxista como possível via de solução dos problemas vitais, o mergulho nas drogas foi profundo...
Frustrado, e sem perspectiva alguma, escolhi o LSD como amparo...Num certo período consumia muito ácido, tinha também “flashbacks”, e também vários surtos paranóicos de perseguição policial...
Tive inúmeras badtrips, sempre imaginando o que poderiam virem a fazer comigo os torturadores da OBAN-Doi-Codi (aonde fora obrigado a depor sobre minha prima Nádia, que fora presa de novo quando voltou ao Brasil). Quando depus, me confundiram, ou simplesmente simularam isto nesse interrogatório, com um militante do PCdoB, o qual procuravam avidamente, e que estudava, como eu, nas Ciências Sociais da USP, e “suspeitavam” que o mesmo participava como um “elo” urbano na então persistente e resistente guerrilha rural no Araguaia, e esse suspeito poderiam ser até eu próprio...
Bateram muito nessa tecla...
Eu, que naquela época, tinha mesmo saído pelo Brasil afora: estivera no MT, em MG, e em GO; mas apenas numas de “bicho grilo sem destino”, “on the road”,  e sem nenhuma grana, só com uma mochila nas costas cheia de “pedras” lisérgicas e “ervas”, junto com outras duas “malucas belezas” de plantão...
Que haviam como eu, deixado o lar e a faculdade, para “sonhar” na estrada...
Viver mais uma vã procura, sendo esta até incentivada pelo sistema...
Mas quando “o sonho acabou” e voltando ao abrigo do “ninho” soube pela minha família que “estavam me procurando...”.
Existia uma intimação “judicial” para que comparecesse ao 2º exercito, sede do DOI-CODI, e da OBAN-(operação Bandeirantes), para depor, assim que retornasse...E nesse interrogatório, fiquei como “suspeito” de ser uma possível conexão entre cidade e campo guerrilheiro...Como procurei não me auto incriminar, e preservar meus amigos, pelo uso de drogas que fazíamos, (naquele tempo era lei de segurança nacional) fui evasivo e até vacilante, nas respostas das muitas perguntas por onde estivera e o que fizera nessas minhas andanças pelo país, gerando, com razão, algumas “suspeitas” do meu passado...
Porém, não cheguei a entrar no “pau” físico (pois àquela altura, o “jogo” já estava decidido e definido), mas psicologicamente me “moeram”...
Sai de lá oprimido e convicto de que a qualquer momento viriam me buscar de novo, para desvendar “certos assuntos” que não ficaram muito bem esclarecidos...E aí que “a cobra poderia fumar...” segundo a irônica ameaça de um dos torturadores ali presente...eram prepotentes e arrogantes, eram os donos do país...
De fato, fiquei bem cismado com esses acontecimentos, “com a pulga atrás da orelha”, pois pelas histórias que já conhecia de cor, era mui difícil provar o contrário para a “inteligência” do exército, sobre algo que eles já tinham previamente a sua “convicção” formada...
Preparei-me então para o pior, apesar do meu comprometimento com a O., já completamente extinta, ter sido o mínimo possível, no meu delírio paranoico, até uma “opção turca” cogitava...
(um dos sintomas claros que gerou o excesso de violência repressiva, e o temor de quem caia nas suas garras, era o fato estes organismos repressores nunca possuírem a dimensão exata dos organogramas básicos das respectivas Organizações armadas que combatiam, muito menos possuírem uma avaliação real do potencial de arregimentação dessas O(s), seja no meio operário ou estudantil; se o tivessem em mãos, através de um trabalho de inteligência mais qualificado, com certeza, não seriam tão ávidos ou sedentos a qualquer preço por essas informações, gerando a desmedida violência que estigmatizou o DOI-CODI-OBAN, o DOPS, e o CENIMAR... como autênticos “brucutus” sanguinários).
 O fato concreto é que com a proposta da esquerda radical de “luta armada” urbana, em 1973 já estava derrotada, (apenas a guerrilha rural do Araguaia ainda resistia, mas sem nenhum eco popular para sustentá-la por mais tempo), com a maioria dos líderes e militantes presos, banidos do país, ou mortos...
A poderosa máquina repressora montada pelo estado militar brasileiro tornara-se um verdadeiro “elefante branco...” e para fugir da ociosidade total, apenas caçavam fantasmas...Ou procuravam avidamente “chifres em cabeça de cavalo...” para mostrar serviço aos seus superiores...
Simplesmente tendo que justificar seus salários...Estavam atrás de pessoas como eu! ...
Que nem sequer cheguei a participar de nenhuma ação armada...E que naquela altura do campeonato, já havia até trocado a eventual metralhadora guerrilheira, por ácidos lisérgicos e baseados! ...
Em setembro de 1973, num desses vários surtos psicóticos lisérgicos que tive, atirei-me de mergulho do 11º andar do prédio em que morava...
Preferi a morte à tortura;
 (Desconhecia ainda a sacralidade vida, a sacra resignação, e outros valores sublimes, e bem superiores ao racionalismo materialista) .... Entendia que pulando por uma janela, daria fim ao pesadelo da tortura, e da ansiedade mental que me tomava há dias...
Pensando que era a polícia política que batia com violência na minha porta para levar-me para um outro interrogatório e torturar-me (e era apenas o meu pai, que esmurrava a porta pois esquecera naquele fatídico dia, a sua chave)...
Foi esquizofrenia pura...numa ”nóia” de perseguição. Saltei para morrer de ponta cabeça.
Entretanto aconteceu no impulso do salto, algo inusitado, ou uma queda “espetacular”; na qual girando no ar, acabei por cair sentado no ferro circular do “gira-gira”, um brinquedo infantil no playground no pátio do meu prédio; fraturando gravemente a bacia, o fêmur direito, o braço esquerdo e o queixo...E alguns dentes...
Entretanto, me tornei um raro sobrevivente...
Restabelecendo-me por seis meses imobilizado, estirado numa tração ortopédica do (H.S.P. E), Hospital do Servidor Público Estadual; tinha ainda que ouvir dos enfermeiros, enquanto me banhavam como gato, chamarem-me, todo dia, de “campeão”, pois milagrosamente, e não existe nenhuma outra explicação plausível e contrária, de como conseguira sobreviver a esse fatídico incidente...
Além do que o meu cérebro, e a minha coluna vertebral saíram desta altíssima queda ilesos...
E para muitos deles, só pelo fato de ter sobrevivido, eu já seria mesmo um autêntico “campeão!”.
Muitos anos mais tarde, resignadamente, acabei aceitando o codinome numa boa...
Quando saí de alta hospitalar, em março de 74, com uma bengala a tiracolo, já não queria mais cursar a Ciências Sociais, mas como também não aceitava o “sistema”, continuava com as dificuldades pessoais e profissionais , em “inserir-me...”.
Não queria nem conseguia mesmo me encaixar em nenhuma das atividades propostas...
Tornei-me então um mix de lumpem-pequeno burguês, uma “figurinha carimbada” de barba longa e bengala, dependente economicamente da família, (de atividades, só desenhava, escrevia, e lia...) saia às noites para fumar “baseados” com a malandragem “barra pesada” do bairro, os donos das “bocas”; e mais tarde quando eles iam fazer suas “lanças” rotineiras, (roubos e assaltos), nem me convidavam para ir junto, pois sabiam que a minha opção era ‘outra “: dali eu seguia era para as festinhas do tipo ” paz e amor “, onde ia suprir ilusoriamente as carências afetivas, nos encontros eventuais com as várias” malucas “de plantão, que conhecia todos os dias...”.
E o vazio enorme de existir persistia...
Passaria no ano seguinte por um processo de internações em clínicas de recuperação para drogados, e em abril de 75 fui preso em flagrante numa rua do Brooklin Paulista, quando recebia umas “pedras” de presente de um “alquimista” produtor de LSD, tendo sido enquadrado não como simples consumidor, ou um “viciado dependente”, mas sim como parceiro de um traficante de alta periculosidade, pela grande quantidade de LSD apreendidas com ele (mais de 1000).
Ele era o fornecedor principal de LSD para a nata do rock paulistano...Das Rita Lee da vida e das várias bandas de rock que surgiam...
E a polícia de entorpecentes já o seguia há tempos, pois queriam mesmo era autuá-lo num flagrante junto a um “consumidor”...
Para ficar bem caracterizado a contravenção penal do “ tráfico”.
Então pela lógica normal do que vinha acontecendo de negativo na minha vida nos últimos cinco anos, claro que fui eu o consumidor “escolhido” pelo destino para tanto...
Foi até um “furo” de páginas policiais...
Vieram entrevistar-me preso no Deic, quando souberam dessa minha queda do 11º; mas eu só fixava nos olhos do repórter, os meus olhos sôfregos e indignados, para cada pergunta idiota que ele me fazia...
Tentando ser  sensacionalista, fez umas três ou quatro perguntas, e com meu silêncio repulsivo ele logo desistiu...E depois publicou uma fantasiosa reportagem denominada “Quase morreu...” no já extinto, Folha da Tarde, do grupo Folha, dizendo que eu havia caído do 11º andar dois anos atrás, porque tomara vários LSD fornecidos por este mesmo amigo, agora também preso, “e que quis voar...” (fazia uns 10 anos que eu não via o tal amigo citado, desde a infância em Ituiutaba)...Explicar aos seus “leitores”, os consumidores de “notícias de sangue”  que naquela ocasião, preferi pular do 11º, a me entregar à polícia política, ficaria até complicado para o jornal, então era, e é assim mesmo até hoje, que parte da nossa imprensa mercantil, de uma forma geral, cumpre a sua função “profissional” de “bem informar” seus incautos leitores...
Meu advogado pediu, erroneamente, para que eu fosse “réu confesso”, tentando assim, comover o juiz de que eu era apenas um bom moço “viciado”, abrandando a inevitável pena, ou quem sabe cumpri-la numa clínica de recuperação de viciados...
Mas sua tese falhou redondamente pela repercussão adquirida pelo caso, e acabei condenado como viciado dependente, a uma pena mínima de um ano de detenção. (e o meu amigo ganhou um ano a mais como medida de LSN adicional na sentença dada a ele).
Depois de três meses presos num cubículo fétido do Deic, aguardando o julgamento, veio à sentença: condenados, “pegamos o bonde” e fomos parar no presidio do Carandiru.
Ali sim, conheci na prática o mundo dos excluídos socialmente, e dos revoltos, confirmando in loco, a face reflexa e desumana da exclusão do sistema capitalista brasileiro...encontrei ali os pobres e pretos, tão decantados na sociologia como os únicos condenados pela justiça de classe. Aprendi também que a injustiça tem a cor parda e preta amorenada...jogados em cubículos, e tratados como feras humanas.
Tive muita “sorte” em não ser engolido ou trucidado por “aquilo” que vivi...
Pois a advogada e tia do meu amigo alquimista, conhecia pessoalmente o chefe de disciplina do pavilhão que ficamos (o pavilhão dois), e só por isso ficamos lá, pois nosso destino como condenados primários, seria o pavilhão 9, (aquele em que ocorreu o massacre histórico dos 111).
O Pavilhão dois era apelidado de “casa da banha” pelos presos, pois quem conseguia ficar nesse pavilhão da Casa de Detenção, era até um “privilegiado” pela “moleza” que ali encontrava para cumprir a sua pena, pois lá ninguém queria saber de criar confusão não...”Ir para a rua logo” era o lema de cada um...
Mas corríamos sério risco de sermos molestados, pois éramos dois jovens de classe média, com perfil de “garotos”, estes abominados, e muitas das vezes, também seviciados pelos condenados.
Giroldo, era o nome do temido chefe de disciplina, andando no meio de nós dois, um braço em cada ombro, rodou conosco por todo o pavilhão e pátio do mesmo, logo no primeiro dia de prisão, sinalizando a toda malandragem que quem mexesse conosco, poderia vir a ter problemas com ele...
Isto significava ser transferido, para outros pavilhões barra pesada...O P8, ou o pior deles o P9...e de lá nunca se sabia se sairia vivo...
E este passeio surtiu efeito imediato...
Assim que ele nos deixou, nos ofereceram “baseados”, como boas-vindas...
Ficamos “chegados” dos “xerifes” das celas, que é a “autoridade máxima” do presídio, e, portanto, ninguém lá nunca se “engraçou” conosco...
Nesse pavilhão tinha uma norma básica: o detento teria que trabalhar para o estado, como reeducação social; a minha prima Sarah Féres, coreógrafa e artista plástica, tinha um amigo do meio teatral, um fotografo talentoso, Ary Brandi, preso e também condenado como usuário de maconha, (naqueles tempos se prendia e se condenava alguém apenas por fumar cannabis, hoje nem cabe mais, esse tipo de condenado apenas por essa contravenção, nas cadeias).
Ele, era fotógrafo oficial do presídio, ela avisando-o, da data da minha chegada, ele me procurou, e colocou-me como seu auxiliar no estúdio fotográfico da prisão, e foi por lá que comecei a aprender os rudimentos, e iniciei-me na fascinante profissão de fotógrafo...
Através da qual, tive a oportunidade de conhecer pessoas tão distintas, e interessantes, situações incomuns e gratificantes, e até outras nações, e outros povos tive oportunidade de conhecer, sem contar que a fotografia também me ajudou na minha subsistência por mais de 25 anos...
Saindo seis meses depois desse autêntico pesadelo, através de uma “condicional” obtida pelo advogado, após já ter cumprido meio ano da pena imposta, pedi ao meu saudoso papai para morar num dos seus apartamentos, localizado na zona oeste da cidade, no qual ele o mantinha apenas como escritório, e lá cultivava com especial carinho a sua querida e valiosa biblioteca.
E foi nesse local, onde montei meu primeiro estúdio fotográfico, e também um artesanal laboratório P&b; morando ali apenas na companhia de uma cadelinha Pinscher, de nome laika, e que aconteceu meu encontro com DEUS...
Depois conto como foi isso...um beijo a todos que estão seguindo MI LIDA...ou MINHA IDA...






         



                                                                  2ª Parte
             
                                                           

                                    

Rumo à Luz...
                                      
                   
                                              A minha “estrada de Damasco...”.

Um dia de março de 78, recebi uma carta sob minha porta, convidando me para um encontro...estava num envelope aéreo tradicional, daqueles de bordas verde amarelo...
E sem remetente...
Era uma carta bem simples, com poucas linhas, e pelo formato das letras evidenciava ser escrita por alguém com algumas dificuldades ortográficas...E ali dizia, entre outras coisas, que “o Senhor Jesus” me convidava para um encontro no domingo no ponto final do ônibus Jardim de Abril...”
A mim restou uma irônica e pequena dúvida...
Mas esse tal “Jesus” marca mesmo aponto?
 A forma como estava escrito suscitou mais alguma curiosidade...pois marcava esse encontro para às 14 horas do domingo seguinte.
 (Na) morava eu com uma hippie dessas bem “maluconas” mesmo, que lendo também a carta, muito se divertia com a minha curiosidade...
Entretanto...fui lá conferir...
Sempre “paguei para ver”, e se a vida pudesse ser comparada a uma mera partida de pôquer, acho que perderia quase toda “rodada”... pois até no “blefe”, eu ingênua, ou ansiosamente, “pago para ver”...
Quis ir lá saber o porquê daquilo envelopado viera parar debaixo da minha porta, e instigado, simplesmente fui...
Chegando ao local no dia e hora marcados, bem em frente ao ponto final de ônibus, li o que estava inscrito na fachada defronte:
 Gongregação Cristã no Brasil.
Nunca havia adentrado antes num templo evangélico, e para sanar a curiosidade sobre quem me mandara a tal carta anônima.
Lá estava eu, ateu convicto, assistindo a um culto de louvores a Deus...
E enquanto era notado por todos como um “estranho no ninho”; eu curiosamente observava tudo também: as pessoas sentadas, a ordem existente, o silêncio intenso era respeitoso e uma reverência total antes de se iniciar o culto; às mulheres sentadas separadamente, à direita, com suas cabeças cobertas por véus brancos, e os homens, à esquerda...
Quase todos de aparência, humildes trabalhadores, mas todos bem asseados, e socialmente muito bem trajados...Pareciam estar mais em uma cerimônia de formatura dos filhos...
A maioria absoluta trajavam ternos com gravatas...
Eu, com meus olhos curiosos, capturava o máximo de dados, para o meu plano B: se aquele convite recebido fosse mesmo um mero blefe, aproveitaria esta minha ida até lá, para elaborar uma possível tese sociológica, sobre “a tal religião evangélica na periferia paulistana...”.
Iniciou-se com hinos, logo após uma oração, e então num dado momento do culto, foi aberta a liberdade para os chamados “testemunhos das obras” feitas por Deus, na vida de cada um...
Eis que uma mulher se levantando, vai até ao microfone do lado feminino, e relatou em rápidas palavras um “milagre da multiplicação”, o qual segundo ela “Deus realizara na sua própria casa”.
Contou que ia servindo os pratos aos seus convidados de um casamento (vindos num número maior que o esperado) formando uma fila sem fim, e ela estava agradecendo a Deus naquela tarde, porque “a panela que servia aos seus convidados “inesperados” nunca esvaziava! ”.
Ouvi bem atento este relato, e no cepticismo e condicionamento em que vivia, naturalmente, o meu materialismo “cientifico”, vaticinou que aquilo que fora dito ali naquele microfone, não passou de uma deslavada mentira em público! ...
Como é que pode existirem pessoas tão simplórias crendo em coisas tolas assim ?!...
Que aquilo que ouvi, apenas confirmou um dos cânones do “meu” materialismo histórico, de que a religião era afinal o “ópio do povo...”
Fiquei até indignado com o que ouvia, e também com as manifestações favoráveis da maioria daquelas pessoas, que enquanto ouviam aquilo, vibravam e glorificavam ao seu Deus por esse feito...
Que coisa! Como pode isso?
Questionava eu, confirmando como funcionava...
o “das opium des volkes”

Veio após alguns cantos de hinos, a seguir o momento da leitura bíblica...O homem que exortava “a palavra”,(abriu em São Lucas ,19, que é um relato sobre Zaqueu, o publicano: um baixinho pecador, que subiu numa árvore para ver o Senhor Jesus passar...) num determinado momento da leitura, esse “pastor” fechou bruscamente a Bíblia que lia, e começou a “profetizar”...
Desvendando coisas mui íntimas de alguém ali presente naquela tarde...alguém, que para a minha surpresa, pelas coisas que ele ia falando, não poderia ser outra pessoa naquele recinto, senão eu próprio...
só faltou falar o meu nome.
Revelando algumas coisas e fatos, que ele evidentemente poderia ter obtido por simples informações tomadas antes com alguém a meu respeito.
Todavia, dentre das muitas coisas que desvendava em tom profético, uma seguramente não poderia jamais ser obtida por meras informações...
E foi isto que mui me intrigou de verdade...
 Começou falando dessa minha fatídica queda do 11º andar; disse dela, entre outras coisas, que eu só sobrevivera naquele dia, não só pela misericórdia divina, disse que Deus me preservara, me predestinando, para uma grande “obra” na minha vida e na minha família...
Comparou-me até com “Zaqueu; o publicano”, mas como eu não era um homem rico, nem coletor de impostos, fixou nosso ponto em comum na “curiosidade”, a de querer “ver” o “Senhor”...e disse que só por isso, naquele dia já entrara a “salvação” também na “minha casa...” (alma).
 Então pensei precipitadamente, que já havia “matado a charada” que me levara até lá: deduzi fora aquele “pastor”, que sabe por algum conhecido, detalhes da minha vida, quem colocou aquela carta anônima na minha porta, e no fim deste culto, com certeza, virá me chamar para fazer parte desta “igreja”...e “para continuar colocando cartas anônimas nas portas dos outros...”.
Pensei ser este o modus operante de arregimentação de novos incautos para aquela seita...
Entretanto, das muitas outras coisas que falou, disse uma instigante e oculta, que acontecera poucos minutos antes, referente ao testemunho da mulher “da panela que não esvaziava nunca”, e que só nos dois saberíamos dos detalhes do que se tratava...do que pensei a respeito, e do que pensei!
Disse convicto e direto que, como eu não cri no que ouvira, embora o que fora dito ali na frente fosse sagrado e verdadeiro... que para confirmar isto, o Senhor Deus, daria um sinal claro na minha vida por aqueles dias, e que se por acaso contasse esse “sinal” para outros, eles também duvidariam, como eu duvidei friamente naquela tarde, e alguns até zombariam de mim, exatamente como eu a pouco o fizera, que não cri nada do que ouvira, pois este sinal que receberia se tratava de um “milagre”, mas na minha vida, e que crer em milagres era um “dom divino”, concedido a uns poucos seres escolhidos...
Disse também que Deus, assim como tivera misericórdia de Zaqueu, teve de mim também, pois aceitei humildemente o convite para ir lá ouvir a palavra viva de Deus, e fora até lá para tal...Por isso, dar-me-ia pela vida afora, “não só esse dom (o da humildade), mas vários outros”, os quais “eu nem poderia imaginar”...
E no fim daquele culto, surpreendia-me “o tal pastor”, mais uma vez, quando passando bem apressado por mim, (e não era bem esse desfecho que aguardava), ele nem sequer me olhou...
Aquilo tudo me impressionou muito, pela convicção, e veemência, e o desprendimento com que fora dito...criando em mim uma expectativa adicional para a sua confirmação ou não...
Que tipo de “sinal” seria esse que receberia, e se é que o receberia? ...
Naquela noite por tudo que vi, e ouvi, quase não dormi...
E imaginei muitas coisas...Lembrando de tudo o que havia se passado... Mas quem afinal me mandara aquela carta?... Porque comigo? Que “brincadeira”, ou trote  seria aquelo?
Sempre tive muita sede de justiça e da verdade, por isso essas coisas simplesmente mexeram tanto comigo...
Naqueles dias subsequentes, isto é, numa segunda e na terça feira, o Senhor, pela sua misericórdia infinita, confirmando aquela palavra profética do domingo, operou duas “maravilhas” na minha vida, que se contasse aos meus amigos ateus, de então, passaria mesmo por um grande contador de “lorotas”...
Ou de no mínimo um “pirado”...
O que era mui normal acontecer, no nosso meio, naqueles tempos de muito “chumbo grosso...” drogas, e desesperança no futuro.
A primeira “maravilha” foi até “pequena” perto da segunda que viria depois...
Pedalando de “bike”, perto do Ceagesp, seguindo na direção da praça Pan-Americana, de lá seguiria para o bairro de Pinheiros, (fazia esse trajeto quase todos os dias para almoçar na casa da namorada) quando de repente ouvi um estampido seco como se fosse de um tiro...
+Quando olhei bem para certificar de onde viera tal barulho: tive a certeza de que a câmara de ar do pneu traseiro da minha pesada bike havia furado, pois notei que o mesmo começou a esvaziar-se ...
Embalado numa descida, nem quis parar...
Debilitado naqueles dias, pois me alimentava da “macrobiotica”, (e “sempre” refazia o tal dos 10 dias de arroz integral com Ban-chá), estava fragilizado até para empurrar uma “bike” a pé até um possível “borracheiro”, além do que carregava, a inseparável companheira, a cadelinha “laika”, no caixote da garupa, e neste dia tinha mais o peso de todo meu equipamento fotográfico. (analógico)!...
Pois tinha um trabalho de fotos para fazer naquela tarde...
Lembrei-me naquele momento de aflição que me tomou, até de “Deus”, e pedi “como último recurso”, um socorro, ainda que timidamente, sem fé, mas que se Ele existisse mesmo, desafiava-O, a que me tirasse daquela situação! ...
E qual não foi a minha grata e enorme surpresa, ao ver que eu continuava pedalando e o meu pneu não esvaziava totalmente...
Era algo fisicamente impossível! Pedalava e olhava, e não acreditava naquilo que via...então fui acelerando as pedaladas, até conseguir chegar a um “borracheiro” na praça Pan-Americana, isto depois de quase uns dois km s percorridos.
 Assim que desci da bike...
Achando até que o pneu não furara, que aquilo fora apenas uma impressão que tive...
Porém, mediante meus olhos atentos, examinando-o bem próximo, para ver se tinha acontecido algo, aí sim, o pneu murchou totalmente! ...
Estupefato, e até surpreso com este acontecimento, enquanto esperava o reparo do furo no “borracheiro”, guardei aquele acontecido só para mim...
entretanto lembrei-me, naquela hora, da mulher “da panela que nunca esvaziava...” e senti ali, pelo simples acontecido com um pneu de bike, um certo constrangimento diante da incapacidade ou limites explicativos das coisas, do meu até então todo poderoso materialismo histórico, cientifico e dialético...
Após isto, quis mesmo voltar àquela igreja, pois quando saia assim meio que decepcionado no domingo (quem colocou a carta na minha porta, sequer veio falar comigo) fui tocado pelo porteiro daquela igreja, que certamente notando isso, bateu delicadamente nas minhas costas, e convidou-me para voltar, me dizendo a data, e hora do próximo culto...
Contudo, quis voltar lá, mas de uma forma diferente da que fora naquele domingo à tarde... pois achei que alguém ali, (que eu ainda não sabia quem), me conhecia muito bem...
Tal foi o desvendamento que fora feito da minha vida...
Então procurei voltar lá na terça feira a noite, mas fui bem diferente de como fora na primeira vez...
Cortei os longos cabelos, deixando-os bem curtos. Arrumei um paletó, emprestado com um amigo dandi, tornando-me assim um “protótipo” social, quis ficar bem “parecido com um evangélico...”.
Chegando no ponto final do ônibus “Jardim de Abril” na terça à noite, como também fui sem a habitual bengala, (e eu não podia andar mesmo sem a dita cuja, que a perna direita doía muito)... Logo ao descer do ônibus, a minha perna fraturada na tal queda, travou-se completamente...E isso era até comum acontecer quando, rebeldemente, não usava a bengala...Não conseguia dar nenhum passo...
E enquanto me recompunha ali parado, fui ajudado por um “irmão”, que vendo-me de paletó, atravessou agilmente a rua, e veio me perguntar se eu queria “amparo” para entrar naquela “casa de oração...”.
Entrei naquele templo apoiando no ombro daquele que sei hoje, pelo que aconteceu na sequência desta noite, ser um “mensageiro” do Deus vivo e poderoso...
Existe em mim até hoje um desconforto em dizer isso claramente para alguém que não crê nos chamados milagres, mas aprendi que o dom de crer não é mesmo para todos...eu mesmo o recebi de graça nesta noite...
 Quando entrei naquele templo, agradeci aquele homem pela ajuda recebida, preferindo sentar-me mais na parte de traz da igreja para que o tal do “pastor” de domingo, não me reconhecesse, e ficasse expondo novamente coisas íntimas sobre minha vida. Estava bem curioso também para ouvir o que, e com quem, e de que forma, aquele “pastor” falaria, desta vez...
O culto inicia-se com cânticos de louvores, e logo após vem o momento da oração. Porém o tal pastor de domingo, me surpreendeu mais uma vez: pois naquela noite, nem era ele quem estava lá em pé, no púlpito, presidindo aquele serviço religioso...
Era um outro...
Mas veio o momento da oração, e uma voz feminina orava bem alto, convicta e forte, clamando em súplicas, e com grande virtude e ímpeto, pediu que se houvesse alguém ali com uma enfermidade dita incurável pela medicina, que o “anjo do Senhor” fosse até essa pessoa, e a curasse ali mesmo, “em nome do Senhor Jesus...”.
 Encontrava-me naquele momento, de joelhos dobrado como todos, sentindo dores lancinantes na perna direita, mas com os olhos bem abertos, como poucos; observando tudo...Ao meu lado tinha, por exemplo, um senhor negro, bem forte, que manifestava em alto som, junto a quem orava, o que eu ainda não sabia ser, “uma linguagem espiritual”, expressa com “evidência de novas línguas”, e eu surpreso e curioso, ouvia daquele homem simplório, palavras que reconhecia serem originárias do idioma japonês mesclado, ao árabe, e ao hebraico, e outros idiomas que desconhecia...porém eu não entendia o significado espiritual para saber o que ele dizia...
Quando de repente, vi lá na frente, postado rente ao púlpito algo que talvez seja mesmo até indescritível na sua integra, pelo resultado visionário e emotivo, para poder traduzi-lo em meras palavras; porém tento: vi algo alto, fino, incolor, um vulto estático, mas que ondulava levemente...Sendo o máximo que consegui captar...Pois conforme as palavras iam saindo daquela oração daquela mulher, aquele “vulto”, que julguei num primeiro momento ser até uma possível “alucinação lisérgica”, como que obedecendo à voz daquela que orava, veio vindo rápido, deslizante como um flash de luz na minha direção...
Então fechei os meus olhos, pois vi que não era mesmo uma alucinação, o temi até por um momento; e “aquilo” que vi lá na frente, postou-se na sequência, senti-o bem atrás de mim...e apenas sentia sua energia e uma forte vibração, mas não abria mesmo os meus olhos para confirmar, e quando aquela voz da oração alçada em súplicas bradou alto: “o liberte agora pelo amor do seu santo nome!”; nesse momento senti como que se uma mão humana penetrasse na minha perna fraturada, com de pinos de platina, roçando-a por alguns poucos e breves segundos...e quando se encerrou aquela oração e aquele momento único,  levantei-me para assentar como todos; e eu que entrara naquele templo apoiando no ombro de alguém, com dores agudas na articulação do osso femoral, simplesmente não sentia mais nenhuma dor na fatídica perna...fora como se tivesse tomado algum analgésico poderoso e anestesico, e mesmo assim ainda passei o restante do culto desconfiado do acontecido, e “esperneando” várias vezes, só para confirmar se havia acontecido mesmo “algo” comigo. Afinal o que acontecera com minha dor crônica e constante da perna?
E acontecera algo sim...A dor simplesmente sumira, só que, naquele momento, eu ainda não conseguia dimensionar claramente o que foi que acontecera...
 Quando voltava no ônibus para casa, ia recordando a confirmação das “profecias”, do sinal que receberia, ouvidas no domingo passado à tarde...
Aí sim se confirmou uma verdade insofismável, pois como previra aquela poderosa palavra daquela tarde de domingo, como poderia agora contar esse “fato” pros meus amigos (“malucos” e comunistas) e também aos médicos do Servidor, explica-los o tal “sinal”, que aconteceu comigo, sem passar por mais um “Nóia” e “ pirado”?
No dia seguinte, amanheci pisando bem e firme, sem dor alguma, e só para confirmar para mim mesmo, na tarde daquele dia, quis jogar bola com os peões da obra vizinha do prédio onde morava, em que ia às tardes sozinho, fumar meus baseados, enquanto assistia a “pelada” de futebol que eles sempre jogavam no fim da jornada do dia...Cheguei e já pedi dessa vez para jogar, eles até estranharam o meu pedido, mas deixaram...Eu o que andava sempre de bengala...Nesse dia, para espanto dos peões de cintura dura, não só travei, como chutei, e driblei como nunca...Que saúde e saudade estava de poder “bater uma bolinha!...”.
Estava mais que confirmado que algo extraordinário acontecera sim naquele lugar, em que fora convidado por uma carta anônima.
Não poderia ainda entender na sua plenitude, pois não havia pedido nada, e recebera o “sinal”, pela minha incredulidade: sim, fora operado por um “anjo”, ordenado por numa oração. O “sinal” claro prometido que eu veria em breve, acontecera mesmo em poucos dias...
E aconteceu no meu corpo!...Para não ficar nenhuma dúvida...Como aquela pequena e sarcástica, surgida logo após a leitura da carta convite que recebi...
Entendi sem ironias desta vez, que Jesus Cristo marca aponto sim...E até opera se quiser! ... E se a vida pudesse ser comparada a uma mera partida de pôquer, nesta “rodada” em que “paguei para ver”, indo a esmo nesse encontro, (como não foi mesmo um blefe), simplesmente consegui vencer...
“Quebrando a Banca! ” Fechando-a.
Mas afinal, o que vinha a ser esta Banca? ...
 A Banca era exatamente a vida que levei até aquele dia ...desde que “fugira” jovem do “paraíso dos caiapós”, e me matriculara no noturno do Colégio Aplicação...
Uma vida recheada de ilusões, tropeços, desencantos, frustrações e vaidades...(não necessariamente nessa ordem), pois foi justamente a partir desse acontecimento único e extraordinário da minha vida, maravilhosíssimo, e absolutamente miraculoso, que afinal começou a surgir uma tênue luz no fim do túnel obscuro e confuso em que estava submerso há muitos anos, iniciando aos poucos, ainda que lentamente, a dissipar as densas trevas que me envolviam...Partindo em direção irreversível ao encontro da Luz...E do amor celeste...Da paz excelsa que excede sim, todo o entendimento racional... Que o mundo material simplesmente não a conhece nem a pode compreender.
.E que os corações dos soberbos, dos arrogantes, e dos presunçosos jamais sentirão...
Ali sim, pude constatar in loco, ser um lugar poderoso e sagrado. Não havendo o charlatanismo dos “vendilhões dos templos...” Nem o mercantilismo dos pastores eletrônicos, travestidos de políticos de direita, que infestam nossa vida pública atualmente.
Não!...nem a exploração da chamada “boa-fé” das pessoas humildes, como julgara da primeira vez que lá fui...
Então jamais poderia mesmo esquecer esses fatos...
Ficou cravado para sempre na minha mente, e no coração...E também na minha perna! ...para não esquecer jamais, que em cada passo dado dali em diante, agora definitivamente sem a bengala aposentada definitivamente, me lembrasse sempre de “que existe muito mais coisas entre o céu e a terra, do que supõe nossa vã filosofia...”.
Ou a nossa medicina oficial...Pois quando retornei ao Hospital do Servidor Público, o que era uma rotina semestral de acompanhamento médico, o D Yacovani Zaggo, o médico que me operou e acompanhava a evolução do meu caso, ao ver-me andando muito bem e sem a bengala, chamou-me até a sua sala, e com ares de muita preocupação, procurou no meu prontuário e mostrou-me pela primeira vez a radiografia do que se tornara minha cabeça de fêmur na bacia, e disse que o que fazia não era bem ético, mas que o fazia para apenas “me ajudar a deixar de ser teimoso” e lembrar de andar “sempre com a bengala”, pois o meu caso era mesmo gravíssimo, e caso não me conscientizasse disso, em poucos meses ele estaria “operando-me de novo...”.
Entretanto, para cumprir integralmente a profecia da palavra ouvida no Jardim de Abril, como poderia contar para um médico que simplesmente um “anjo” veio ao meu encontro e me operara? ...E também que até futebol já jogara! Como contar isso sem passar por um grande mentiroso ou então um “maluco de pedra”? ...
Fiquei só o escutando, bem quieto, mas sorridente por dentro...realmente, o dom da fé, e de crer em milagres não é de qualquer um mesmo, de cépticos, e de São Tomé (s) o mundo está abarrotado...é o que mais tem...
Aliás, esse mesmo mundo que se materializa cada dia mais, que cultua só o corpo material em detrimento ao espírito, e interpreta até como blasfêmia, ou insulto a “inteligência”, a simples menção de prodígios e maravilhas operadas sempre por Deus, as quais, são propositalmente ocultas aos sábios e entendidos desta Terra, mas desvendadas por misericórdia, aos pequenos, e humildes escolhidos por ELE...
 Porém, muitos anos após, com meu papai estando lá internado, voltei naquele hospital, livre da bengala, e andando muito bem, sem temores de ser desacreditado ou ridicularizado, e ele próprio, como médico mais do que ninguém, poderia constatar a veracidade ou não desse acontecimento. Mas queria falar-lhe outras coisas também...Principalmente das maravilhas, e das delícias de viver sob a graça de um Deus vivo, que me resgatara do abismo existencial em que padeci por muitos anos...
Porém, informando-me no Hospital, soube pelos enfermeiros mais antigos, (uns até se lembraram, com carinho, da minha passagem por lá, “do campeão”) que, infelizmente, esse simpático médico, já falecera...
 Por minha formação, e pela minha “dureza” de coração, demorou mais alguns anos ainda, até tornar-me um convicto cristão...Convertido à verdadeira doutrina santa do amor celeste...(René Guenon, mesmo tendo se convertido ao Islã, confessa num dos seus inúmeros ensaios teosóficos, de que o cristianismo em sua essência, foi a mais sublime criação ideológica e prática que a humanidade recebera das mãos de Deus, o difícil para a humanidade é entende-lo e praticá-lo na sua integridade espiritual) já que muitos hipócritas, “fariseus” e oportunistas o professam; existe um desconhecimento de algo que é muito conhecido formalmente por quase todos os humanos.
Daí a máxima bíblica seletiva: “muitos serão os chamados, mas poucos os escolhidos”.
Fiquei com aqueles acontecimentos plantados no meu coração, fui mudando aos poucos minhas convicções materialistas, niilistas, eliminando pouco a pouco os meus hábitos mundanos, deixando e sendo deixado pelos antigos “amigos”, sendo preconceituosamente estigmatizado, por ter assimilado aquilo que só os “simples” podem fazê-lo...
Pois de repente, na minha trajetória de vida, descobri que todos os seres humanos poderiam ser meus amigos em potencial, serem meus irmãos na fé, e que minha “família” aumentara consideravelmente... não seria mais exclusivista, nem seletivo ao extremo como um comunista ortodoxo, por exemplo, o é; e a partir daí meu condicionamento materialista, e até meus vícios, foram se evaporando, com o passar dos dias, meses, anos.
Em 79, retomando os estudos, fiz um “cursinho” pre vestibular e fui cursar Letras Germânicas na USP, e voltei a trabalhar com muito afinco e dedicação impar com a Fotografia...
Fui sendo “limpado” gradativamente, despojando–me pouco a pouco do homem velho que jazia dentro de mim, até um dia entender, o que é reviver ou caminhar numa porta aberta chamada Cristo, em espírito, em verdade, e em novidade de vida, “descendo nas águas” do santo batismo...
Morrendo literalmente para as vaidades mundanas e ressuscitando, como um marco inicial...
Para um outro estilo de vida...
Mas a conclusão desse processo espiritual, ou minha “morte” para as coisas mundanas, só aconteceu mesmo na reaproximação com minha saudosa vovó materna, em 81, cuja vida foi dedicada em grande parte, a servir a Deus nessa denominação.
E eu não sabia...
Sonhei que ela iria morrer, e me apressei em ir visitá-la no interior de SP, em Araraquara, e lá tive uma surpresa agradável ao saber que ela fazia parte dessa mesma “Igreja” que eu mantinha em segredo no meu coração...
A mesma denominação em que, por dádiva divina, fui operado na minha perna, há três anos já passados, por uma simples petição orada...
Lá a mocidade que visitava vovó regularmente, (ela estava enferma, acamada, então eles iam até sua casa fazer um culto doméstico em retribuição aos 25 anos que ela trabalhara na “obra da piedade” desta igreja) ...
Depois eles me convidaram para ir “congregar” com eles, eu que nunca ouvira esse verbo até então, relutei em ir, estava de novo com os meus cabelos compridos e etc...Mas a voz da saudoso vó, vinda do quarto em que estava deitada e escutando nossa conversa, foi mais que convincente:
 “Você vai lá em espírito...” e fui mesmo...
E lá, de novo, a palavra ouvida, nessa noite, “falou” com minha alma de forma entranhável, incompreensível mesmo ao homem natural...Ligando “a palavra” que ouvira da primeira vez no Jardim de Abril, (São Lucas, c. 19); isso três anos atrás, com a daquele dia, (sobre “o filho pródigo”), de uma forma tão intimista, com detalhes nominais, que por mais genérica que fosse a explanação para as várias pessoas ali presentes, sós eu e mais ninguém nesse planeta, compreenderia que era com minha alma mesmo que o Espírito Santo de Deus dialogava, através de palavras saídas pela boca de um se Humano...Mistério que poucos tem a sensibilidade ou a dádiva de receber e viver...Pois, hoje sei muito bem, que “a graça de Deus não é de quem quer, nem de quem corre, mas de quem o Senhor se compadece, e usa de sua infinita misericórdia...”.
Então recebemos de graça o inimaginável nesta terra...E nesse dia, em Araraquara, através dessa palavra ouvida com absorção total, ganhei o mais sutil e belo presente da minha vida, o qual como uma jóia preciosa, guardo dentro do meu coração: a convicção inabalável...De uma esperança tangível, de que um dia, se formos justos e fieis aqui nesta face de terra, à sua santa doutrina, poderemos como prêmio prometido, contemplar a face do nosso Pai celeste, sem véus, como ela é.
Nessa época estudava letras Germânicas na USP, e planejava graduar-me em fotografia técnica, na Alemanha ocidental...
Foi uma guinada de 90 graus...
Deixei a faculdade, mas teimosamente segui para a Europa.... Pois ganhara uma bolsa de estudos do Instituto Goethe, e não queria perder a boa oportunidade...Já estivera no velho continente, a passeio, dez anos antes, e sempre pensava um dia em voltar para morar...Dessa vez fiquei quase um ano por lá...Mas nada dera certo como planejara antes, e nem poderia dar mesmo, pois isso já não existia mais em mim como um projeto de vida...
Só valeu mesmo pelas experiências e conhecimentos adquiridos...
Aliás, quando se percorre o caminho em direção as coisas espirituais, quando buscamos diariamente nossa consagração a Deus, seguindo uma vocação amadora proposta...Vai se morrendo gradativamente para as aspirações ou vanglórias humanas...Aprendemos naturalmente que ”as outras portas, são simplesmente fechadas...” não temos mais preparado a mera satisfação das nossas vaidades pessoais...Nosso foco torna-se outro...
Então... Aufwiederhoren Deutschland! Nie mehr! Und ich habe nach Brazilian geflogen…Meine lieber land

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